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Lava Jato agora quer abrir 'caixa preta' da repatriação

Investigadores da Operação Asfixia, fase 40 da Lava Jato, indicam que ex-gerentes da Petrobrás se utilizaram do programa do governo para regularizar propinas milionárias depositadas no exterior

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Foto do author Julia Affonso
Por Luiz Vassallo , Julia Affonso e Ricardo Brandt
Atualização:

Diogo Castor de Mattos, procurador da República que integra a força-tarefa da Lava Jato: 'nos crimes de colarinho branco, a vítima é a sociedade 

A Operação Lava Jato, que chegou à sua fase 40 nesta quinta-feira, 4, revelou que ex-gerentes da Petrobrás repatriaram propinas milionárias por meio do programa do governo federal. Procuradores da força-tarefa do Ministério Público Federal ressaltaram a necessidade de 'abrir a caixa preta' do uso da lei que permite aos brasileiros, sob pena de multa ao Fisco, declarar bens até então ocultos no exterior.

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Documento

LAVA JATO 40

Batizada de 'Asfixia', esta etapa da Lava Jato prendeu três ex-gerentes da área de Gás e Energia da Petrobrás, suspeitos de receberem mais de R$ 100 milhões em propinas de empreiteiras que mantinham contratos com a petrolífera.

Segundo a Polícia Federal, os valores eram operados por meio de dinheiro em espécie e empresas de fachada. Além de o esquema ter permanecido ativo até meados de 2016, outra 'ousadia' identificada pela força-tarefa foi o uso do programa de repatriação para 'regularizar' propinas junto à Receita. Segundo dados da Receita, o programa gerou arrecadação de R$ 50,9 bilhões de impostos e multas pagos pelos contribuintes, em 2016. Os ativos não declarados no exterior chegavam a R$ 169,9 bilhões e mais de 25 mil pessoas aderiram.

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Um dos pré-requisitos era que o patrimônio repatriado não poderia ter origem ilícita. No entanto, de acordo com o Ministério Público Federal, a regra não impediu que o programa fosse usado para declarar ao Fisco dinheiro de propina.

"Isso vai além da anistia da sonegação fiscal e da evasão de divisas que o governo permitiu com a repatriação. Isso é legalizar a corrupção. Precisamos abrir a caixa preta da lei da repatriação", afirmou o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, que integra a força-tarefa da Lava Jato.

O procurador Diogo Castor Mattos também afirmou que investigados 'esquentaram' dinheiro de origem de propina. Um dos investigados, segundo Mattos, tinha patrimônio de R$ 7 milhões no Brasil e R$ 48 milhões no exterior. "Em tese, essas pessoas estão com recursos lícitos, o que gera um risco à sociedade. Isso gera uma nova linha de investigação. A Lava Jato deve abrir a caixa preta dessa lei de regularização cambial e verificar de que forma está se dando esse procedimento".

Em decisão que deflagrou a 'Asfixia', o juiz federal Sérgio Moro destaca o caso do ex-gerente da Petrobrás Márcio Almeida Ferreira, que aderiu, em 2016, ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária.

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"Recolheu ele o montante de R$ 14.376.643,32 em tributos e multa e apresentou, em 05/12/2016, declaração retificadora do ano calendário de 2014, informando a manutenção de ativos no exterior no montante equivalente a R$ 47.922.114,43 vinculados à conta em nome de off­shore Domus Consultant Limited mantida no Banco Banif International, nas Bahamas (evento 8, anexo2). Também apresentou, em 26/12/2016, declaração retificadora do ano calendário de 2015, com incremento dos ativos no exterior para R$ 54.506.461,07", anota o juiz.

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Segundo as declarações do agente público ao fisco, cujo sigilo foi quebrado, seu patrimônio, em 2013, era de R$ 8,7 milhões e saltou em 2014 para R$ 57 milhões. No ano seguinte, o patrimônio chegou aos R$ 64 milhões. De acordo com o magistrado, 'não há explicação para esse salto, nem mesmo nas declarações retificadas já que os rendimentos declarados em 2013 e em 2014 foram de R$ 1.201.507,00 e R$ 419.146,00, respectivamente'.

"Apesar da tentativa de regularização dos ativos mantidos no exterior, as benesses da Lei nº 13.254/2016 não se aplicam se eles têm origem em crimes contra a Administração Pública, havendo indícios nesse sentido", reforçou o juiz.

COM A PALAVRA, A PETROBRÁS

Nota de esclarecimento

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A Petrobras trabalha em estreita parceria com as autoridades que conduzem a Operação Lava-Jato e é reconhecida pelo próprio Ministério Público Federal e pelo Supremo Tribunal como vítima da corrupção investigada. É a maior interessada, portanto, em ver todos os fatos esclarecidos.

Queremos continuar esse esforço e nos colocamos inteiramente à disposição dessas instituições para aprofundar esta colaboração de tal forma que, baseados nas evidências de que disponham, possamos identificar e afastar imediatamente eventuais infratores ainda existentes nos nossos quadros. É do interesse da direção da empresa e da imensa maioria dos trabalhadores da Petrobras, que são dedicados e comprometidos com a empresa e com a ética, que isso aconteça o mais rapidamente possível.

A empresa usa todos os mecanismos que estão ao seu alcance para assegurar o funcionamento de um sistema robusto de conformidade que evite qualquer desvio de natureza legal ou ética. O trabalho da Lava-Jato é essencial no aprofundamento deste processo de investigação. Por dispor de ferramentas exclusivas de autoridades judiciárias, a força tarefa pode realizar investigações que não estão ao alcance da empresa. Com este objetivo, a Petrobras remete rotineiramente às autoridades resultados de suas apurações internas, além de ser assistente de acusação em todas as ações impetradas pelo MPF.

A Petrobras já adotou uma série de providências para aperfeiçoar sua governança e está comprometida em avançar ainda mais nesta direção.

Alguns exemplos destes avanços são citados a seguir:

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- criação de Comitê Especial de Investigação liderado pela ex-ministra do Supremo, Ellen Gracie; - criação de Canal Denúncia independente; - revogação de instâncias individuais de decisões. Todas as decisões são coletivas; - criação de comitês com responsabilidades estatutárias para as decisões mais relevantes, trazendo a possibilidade de responsabilização pessoal de seus integrantes; - realização de verificação da vida pregressa de todos os gestores, para avaliação de sua integridade; - criação de comitês de assessoramento ao Conselho de Administração que acompanham todas as decisões relevantes adotadas pela companhia; - treinamento de 66 mil empregados em curso desenvolvido pela ONU para ética e combate à corrupção; - redução dos limites máximos para aprovação de projetos pela diretoria - treinamentos específicos para setores envolvidos em ações de contratação, fiscalização, trading e finanças; - treinamento do Conselho de Administração e Diretoria Executiva sobre temas relativos à ética, leis anti-corrupção e conformidade; - melhoria de controles internos com reforço da segregação de funções; - ampliação no estatuto da companhia dos critérios estabelecidos legalmente para ocupar cargos de diretoria, incluindo a necessidade de ilibada reputação.

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