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Justiça rejeita denúncia contra Harry Shibata, o legista da ditadura

Em decisão de 14 páginas, juiz federal Ali Mazloum destaca que 'os fatos imputados ao acusado foram anistiados e também, se assim não fosse, estão prescritos'

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Por Julia Affonso e Fernanda Yoneya
Atualização:

Na foto, médico-legista Harry Shibata é o terceiro da esquerda para a direita. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A Justiça Federal rejeitou denúncia contra Harry Shibata, o legista da ditadura.

Em sentença de 14 páginas, o juiz Ali Mazloum, da 7.ª Vara Criminal Federal de São Paulo, concluiu que "os fatos imputados a Harry Shibata foram anistiados e também, se assim não fosse, estão prescritos".

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Shibata foi acusado pelo Ministério Público Federal de forjar informações sobre a morte do militante político Yoshitane Fujimori, em 1970. O ativista foi morto após abordagem policial na zona sul da capital paulista, supostamente por ordem do então major Carlos Alberto Brilhante Ustra, então chefe do Destacamento de Operações e Informações do antigo II Exército (DOI-Codi).

Na mesma sentença, Mazloum declarou extinta a punibilidade de Brilhante Ustra e de outros dois investigados, o também legista Armando Canger Rodrigues e Alcides Cintra Bueno Filho - os três já mortos.

O juiz federal declarou extinta a punibilidade do legista "em razão da reconhecida anistia". Mazloum é taxativo. "Por não se tratar de crime permanente, ultrapassado o termo final da Lei de Anistia, há de se reconhecer a ocorrência da prescrição em face do decurso do prazo desde 1979. Não havendo recurso, façam-se as comunicações e anotações necessárias e, ulteriormente, arquivem-se os autos."

Segundo a acusação, "ao elaborar o laudo necroscópico, Shibata endossou a versão oficial de que a vítima teria trocado tiros com os policiais, sem mencionar dados que esclareciam as verdadeiras circunstâncias do óbito".

Ali Mazloum reconheceu a prescrição em relação ao suposto crime de falsidade no Laudo de Exame necroscópico de Edson Neves Quaresma, capturado e morto na mesma ocasião que Yoshitane Fujimori. O juiz elogiou a atuação da Procuradoria da República e mandou divulgar sua sentença em obediência ao artigo 5.º da Constituição "que alberga o princípio da publicidade dos atos processuais".

"Sucederam-se os fatos imputados em 8 de dezembro de 1970, sob o regime de exceção instituído na época, debaixo do AI-5 de 1968 e da ordem constitucional outorgada por ministros militares em 17 de outubro de 1969", destacou o juiz.

Mazloum salientou "que a constitucionalidade da Lei de Anistia tornou-se indiscutível, tendo a mais alta Corte de Justiça do País, o Colendo Supremo Tribunal Federal, afirmado categoricamente sua integral recepção pela Carta Política de 1988, na ADPF 153/DF ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil".

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O juiz federal destacou que a Lei de Anistia concedeu clemência "a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes...".

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"O caso dos autos está compreendido no aludido interregno temporal. Está-se, assim, diante de ato jurídico perfeito e direito adquirido, institutos previstos no artigo 5.º, XXXV, da Constituição Federal, com relação aos destinatários da Lei de Anistia, considerada válida pelo STF."

Mazloum registrou. "Por princípio e coerência, entendo necessário assinalar que fomos pioneiros na tese de que alguns crimes poderiam transcender o marco da anistia concedida a autores de delitos políticos e conexos. No Inquérito Policial 0013046-06.2009.403.6181, rejeitamos pedido de arquivamento formulado pelo Ministério Público Federal em relação a crime de ocultação de cadáver, tendo como vítima Flávio Carvalho Molina, fatos ocorridos em novembro de 1971".

Ao rejeitar a denúncia contra Harry Shibata, o magistrado ressaltou. "O caso aqui tratado cuida unicamente do crime de falsidade ideológica, cuja natureza não é permanente, mas instantânea. Pelos parâmetros de nossa sedimentada classificação doutrinária, o delito de falsificação ideológica compõe o rol dos chamados crimes instantâneos, cuja realização se dá a um só tempo, num único instante, sem continuidade temporal."

"O crime imputado ao denunciado nestes autos ocorreu há meio século (46 anos), estando extinta sua punibilidade não só pela incidência da anistia, como também pela prescrição. Neste caso, o delito do artigo 299 do Código Penal, cuja pena máxima é de 5 anos, prescreve em 12 anos, prazo em muito ultrapassado. Assim, quer sob a ótica do instituto da anistia, quer em razão da prescrição, indubitável a extinção da punibilidade do denunciado Harry Shibata, hoje com 88 anos de idade."

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Ali Mazloum é categórico. "A Anistia foi recepcionada pela Constituição Federal, há com ela conformidade vaticinou o Supremo Tribunal Federal. Instrumentos internacionais subscritos pelo Brasil não derrogam em qualquer aspecto normas estabelecidas pela Carta Política de 1988. Ainda que albergado com o status de emenda à Constituição, o instrumento internacional não a derroga, especialmente no terreno de clausulas pétreas atinentes à República e aos direitos fundamentais do cidadão."

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