A alteração da Lei nº 5.709/1971 é uma medida necessária para correção de graves distorções e equívocos provocados pelo parecer nº 01/2008/LA, da Advocacia Geral da União (AGU), publicado em 2010, que conflita com antigos posicionamentos da própria AGU, além de doutrinas amplamente aceitas e jurisprudência até então pacificada.
Em tempos de tantas pedaladas e confusões, deu-se uma nova interpretação jurídica ao § 1º, do artigo 1º, da Lei nº 5.709/1971, para restringir os negócios com terras por empresas brasileiras com maioria do capital estrangeiro. Como resultado, negou-se vigência da Emenda Constitucional n° 6/1995 (que revogou o artigo 171 da Constituição Federal que diferenciava empresas brasileiras de capital nacional daquelas com capital estrangeiro).
O agronegócio foi jogado em grave insegurança jurídica, abrangendo infindáveis discussões sobre: (i) o conceito de controle estrangeiro de empresas; (ii) a viabilidade de os tabeliães e registradores de imóveis promoverem eficiente controle sobre as transmissões e arrendamento de terras; (iii) a exequibilidade das garantias reais dadas a bancos controlados por estrangeiros; (iv) a validade de provimentos de Corregedorias de Justiça (como o de nº 461/2012, do TJ/SP) que liberaram os tabeliães a lavrarem escrituras e os oficiais a registrarem as aquisições e arrendamentos de terras por empresas brasileiras com maioria de capital estrangeiro; (v) o pedido de ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) feito por uma entidade do setor rural perante o Supremo Tribunal Federal (STF) contra o parecer; ... e por aí vai...
Com isso, assistimos ao triste cancelamento de vultosos investimentos no setor do agronegócio nos anos seguintes a 2010. Vale lembrar, apenas para citar um dos diversos exemplos, do que ocorreu no setor de celulose nos últimos anos com vários projetos abortados pela crise e insegurança criada pelo tal parecer.
Os principais pretextos utilizados em 2010 para justificar tal parecer foram, nas palavras da própria AGU, "a crise de alimentos no mundo e a possibilidade de adoção, em larga escala, do biocombustível como importante fonte alternativa de energia." Ora, desnecessário dizer que tal crise de alimentos (se é que existiu de fato) não trouxe o apocalipse previsto pela AGU e seus iluminados gurus, e que o biocombustível, em especial o nosso etanol, não se tornou uma commodity mundial, que o digam os empresários sobreviventes deste setor.
Também muito se falou na expansão de fundos soberanos na aquisição de grandes quantidades de terras. Porém, há muito a estratégia destes fundos mudou para a aquisição de participações de firmas globais e tradings de commodities. Basta citar o caso chinês, que passou a privilegiar aportes em infraestrutura, insumos e financiamento em troca do direito exclusivo de comprar colheitas.
Mas, afinal, a quem serve este parecer? À segurança nacional? Certamente não, uma vez que já é garantido ao poder público, pelo Decreto nº 3.365/1941, a desapropriação por necessidade pública para assegurar a soberania nacional. Também devemos lembrar do fato de ser necessária a autorização prévia do Conselho de Defesa Nacional para aquisição e arrendamento de terras em faixa de fronteira, havendo participação estrangeira, conforme estabelece a Lei nº 6.634/1979.
Talvez alguns grupos guiados por ideologias extremistas, que há anos estão encrustados no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), estejam satisfeitos, ou talvez algum "exército", que certamente não é o de Caxias e de Osório, esteja sentindo-se vitorioso sobre o "agronegócio capitalista".
Mas, felizmente, os ventos mudam e o momento de crise atual exige menos ideologia e mais inteligência e pragmatismo para defender os reais interesses nacionais, especialmente no agronegócio, nossa galinha dos ovos de ouro.
Pois que seja estimulada, ainda que muito tardiamente, a discussão para a (re)abertura do País aos investimentos em terras por empresas brasileiras com maioria de capital estrangeiro, o que atrairá não somente mais dinheiro, como também mais tecnologia e produtividade ao setor. O País merece mais inteligência da parte de nossos governantes e mais investimentos no campo, advindos do capital nacional ou do estrangeiro.
*Wagner Garcia Botelha é sócio do escritório Braga Nascimento e Zilio Advogados Associados, responsável pelos departamentos de Negócios Internacionais, Imobiliário e Agronegócios e advoga no Brasil e em Portugal