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Indenização pela traição

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Por Regina Beatriz Tavares da Silva
Atualização:
Regina Beatriz Tavares da Silva. CRÉDITO: DIVULGAÇÃO  

Uma decisão judicial recente, proferida em Goiás, foi muito divulgada porque o marido infiel foi condenado a pagar indenização à esposa.

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Neste artigo quero esclarecer que não se trata de novidade, porque o casamento gera deveres, como a fidelidade, cujo descumprimento, se causar danos morais ou materiais sujeita o infiel ao pagamento de indenização.

Foi o que demonstrei em tese de doutorado que defendi na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo no ano de 1998 e retomo neste artigo.

Muito embora a infidelidade tenha deixado de ser crime no ano de 2005, permanece como ilícito civil e sujeita o ofensor ao pagamento de indenização, em razão da independência entre os dois ramos do Direito, Penal e Civil. Assim, permaneceu a ilicitude civil no descumprimento desse dever. O Código Civil, no Livro do Direito de Família, em seu artigo 1.566, I, estabelece a fidelidade recíproca como o primeiro dos deveres conjugais e o direito à indenização que tem o traído em relação aos danos morais e materiais sofridos baseia-se na regra geral da responsabilidade civil, que consta da parte geral desse mesmo Código, em seu art. 186, a qual se aplica a todos os livros desse diploma legal. Não há como dizer o contrário. A indenização, uma vez provados os danos morais e/ou materiais sofridos pelo traído, é uma das consequências do descumprimento do dever de fidelidade.

E o que seria uma traição ou uma infidelidade?

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A infidelidade ocorre pelo adultério, que é a manutenção de relação sexual com terceira pessoa, e também pelo quase-adultério, que é o comportamento do cônjuge que demonstra a intenção de satisfação do instinto carnal, sem a comprovação da cópula. Basta que fique demonstrado o propósito de satisfação do instinto sexual fora da sociedade conjugal. Isto porque a lei não particulariza o dever de fidelidade no ato sexual de um dos cônjuges fora do casamento, sendo, ao contrário, genérica.

Esse é um dever jurídico recíproco, sem qualquer diferença de tratamento entre homens e mulheres, o que vale a pena observar porque no passado já se considerou que a infidelidade da mulher seria mais grave em razão do fato de que poderia gerar filho de terceiro, que seria atribuído por presunção ao marido.

É, em suma, um dever que deriva diretamente da natureza monogâmica do casamento, cujo descumprimento pode levar à condenação de indenização e também à aplicação de outras sanções jurídicas.

O descumprimento do dever de fidelidade, por ser dever jurídico, gera também a perda do direito aos alimentos pelo cônjuge infiel. Somente se o cônjuge infiel não tiver aptidão para o trabalho e não tiver parentes em condições de sustentá-lo, ou seja, se seus pais, filhos ou irmãos não tiverem recursos para prover a sua subsistência, terá direito a uma pensão mínima, aos chamados alimentos indispensáveis, que não se baseiam no padrão de via anteriormente existente.

No entanto, um projeto de lei que tramita no Congresso Nacional brasileiro, denominado Estatuto das Famílias - PLS 470/2013, pretende esvaziar o conceito do dever de fidelidade, substituindo-o pelo chamado dever de lealdade.

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Além disso, assim como em relação aos demais deveres conjugais, esse projeto de lei propõe a supressão da sanção que atualmente é aplicada ao cônjuge inadimplente, da perda do direito à pensão alimentícia. Muito embora haja a proposta da perda do direito a alimentos para quem tem procedimento indigno, já que a lealdade seria considerada como o dever de franqueza de um cônjuge em relação ao outro, pode-se imaginar que ao cônjuge infiel seria garantido o direito a alimentos. Por esse projeto de lei, bastaria contar que trai para não ser havido como desleal.

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E é de pasmar também a proposta de institucionalização da poligamia que esse projeto de lei faz de atribuir direitos de pensão alimentícia e de indenização aos amantes, às relações de mancebia, ao propor que o "relacionamento familiar paralelo" tenha como efeito o dever recíproco de assistência material e moral, além de prever o direito do amante ou da amante à indenização por danos materiais e morais se finda a relação extraconjugal. Note-se que não é prevista a mesma indenização ao cônjuge vitimado pelo descumprimento de dever conjugal nesse projeto que denomino Estatuto destruidor das famílias.

Uma lei não pode ficar aquém ou além dos anseios da sociedade, o que é pensamento uniforme. E obviamente não é vontade da sociedade que a quebra do dever de fidelidade deixe de gerar sanções ao infiel.

Afinal, como sempre foi dito e é assim que pensa a sociedade brasileira, a fidelidade é o fundamento do casamento, sem o qual não há harmonia e, portanto, não há felicidade.

Exatamente por isso, espera-se que o Congresso Nacional na tramitação daquel projeto de lei, chamado indevidamente de Estatuto das Famílias, esteja atento ao que a sociedade brasileira pensa e quer.

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*Regina Beatriz Tavares da Silva é Presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões). Doutora em Direito pela USP e advogada.

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