Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Ex-presidente do TCE/Rio advertiu empreiteiro para entregar propina 'com cuidado'

Empresário entregou áudio ao Ministério Público Federal como parte de acordo de delação premiada, agora parte do processo

PUBLICIDADE

Por Constança Rezende
Atualização:

O presidente afastado do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), Aloysio Neves, pediu a um empresário supostamente encarregado de lhe entregar suborno que tivesse cuidado nessa ação, em diálogo registrado em gravação anexa à denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra conselheiros do órgão, acusados de corrupção.

PUBLICIDADE

O áudio foi gravado às escondidas pelo executivo Marcos Andrade Barbosa Silva , da empreiteira União Norte Fluminense Engenharia, no apartamento de Neves, em 13 de dezembro de 2017, depois que a Polícia Federal começou a desmantelar o esquema. O empresário entregou o material gravado ao MPF, como parte de acordo de delação premiada, agora parte do processo.

VEJA A PF FILMANDO OBRAS DE ARTE NA CASA DE ALOYSIO

Silva foi até ao local para entregar R$ 150 mil a Neves, mas ao chegar disse ao ex-conselheiro que só tinha R$ 80 mil do dinheiro acordado, por receio de ser descoberto. No mesmo dia, o então presidente do órgão, Jonas Lopes de Carvalho Júnior, havia sido alvo de uma condução coercitiva, o que, supostamente, alertou os envolvidos no esquema.

Ao chegar ao apartamento do conselheiro afastado, Silva explica, no diálogo cuja gravação foi entregue à Justiça, ter pedido ao motorista para deixá-lo em rua próxima e caminhando até a residência de Neves. Era uma suposta medida de segurança. Afirmou também que, devido à ação policial, não usou mochila para levar as cédulas: escondeu o dinheiro nas roupas.

Publicidade

"Eu vou vir assim, aí, aqui ó", diz no áudio o empresário, que dividiu o valor da propina entre os bolsos da calça e do blazer.

"Eu imaginei que tava aí", retruca o conselheiro, rindo.

"Aqui tem sessenta, tem mais dez aqui e dez aqui, oitenta", diz o empresário.

"Tá", responde Neves, na gravação.

Silva também afirma que só foi ao encontro de Neves porque sabia que ele "estava precisando muito". O conselheiro lhe pede que continue tocando o esquema, mas com cuidado.

Publicidade

"Tem que ser com cuidado. No dia-a-dia. Quando sentir dificuldade, fala para o André (operador do conselheiro) que ele pode passar num lugar e pegar", recomenda Neves.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

"Quando for véspera de Natal, posso voltar aqui para te dar um abraço e trago, como vim hoje, assim e blazer", sugere o empresário dizendo que a sua mulher e família também estão com medo. "Lá em casa está todo mundo apavorado, você imagina. A gente fica apavorado, mas tem que ser sangue-frio. Mas as pessoas que estão em volta da gente não têm", diz.

"Mas mulher não tem sangue-frio, a preocupação que você tem é a que eu tenho. Eu acho que eles vão me lincar (sic)", diz Neves referindo-se à sua ligação com o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral Filho (PMDB), de quem foi assessor na presidência da Assembleia Legislativa do Rio.

Provas. De acordo com o MPF, um conjunto de provas reunidas de maneira independente corroboraram com o depoimento o colaborador Marcos Andrade de Barbosa Silva no sentido de que Aloysio Neves Guedes "solicitou, aceitou proposta e recebeu vantagem indevida" do representante da empresa União Norte Fluminense Engenharia e Comérico LTDA correspondente a R$ 150 mil por três vezes totalizando R$ 450 mil.

O MPF sustenta que, no áudio entregue pelo empresário, apesar de tentar desconversar sobre o acerto de vantagem indevida feito por Jonas Lopes com as construtoras Odebrecht e Carioca Engenharia, ele acaba confirmando que tinha conhecimento do acerto e chegou a receber uma parcela dos recursos ilícitos.

Publicidade

Ainda segundo o MPF, investigações também mostraram que Aloysio Neves utilizou altas quantias de dinheiro em espécie para pagamento de despesas de viagens e compras de obras de arte, o que reforça a movimentação de recursos ilícitos por ele. Entre elas, o órgão cita uma pintura e uma escultura de Amílcar de Castro, por R$ 60 mil e R$ 20 mil, em espécie e uma obra Daniel Senise po R$ 65 mil, também em espécie.

Além disso, segundo o órgão, Neves também aceitou vantagem indevida correspondente a R$ 100 mil por mês por Sérgio Cabral. Os supostos pagamentos dessa "mesada" de Cabral a Aloysio Neves também foram relatados pelo operador do ex-governador, Carlos Miranda, que também fechou delação premiada.

O investigado foi assessor na presidência da Alerj até 2010, quando era chefe de gabinete do presidente, Jorge Picciani, afastado do cargo sob acusação de corrupção e preso preventivamente no ano passado. Neves deixou o cargo em março daquele ano, quando foi nomeado conselheiro do TCE. Ele ocupou o cargo de vice-presidente do órgão entre 2015 e 2016 e a presidência em 2017, até ser afastado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

COM A PALAVRA, A DEFESA DE SÉRGIO CABRAL

Em nota, a defesa de Sérgio Cabral afirmou que o ex-governador "nunca deu mesada para Aloísio Neves ou qualquer outro Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado". "Se o ajudou pessoalmente em alguns momentos da sua vida, foi na condição de amigo e em questões que não envolviam dinheiro, pagamento ou qualquer tipo de contrapartida", enviou ao advogado Rodrigo Roca, por meio de nota.

Publicidade

COM A PALAVRA, A DEFESA DE ALOYSIO NEVES

O advogado Rafael Faria, defensor de Aloysio Neves, afirmou que seu cliente provará, no curso do processo, a sua inocência. "Sua história de vida se levantará a seu favor", declarou. Em relação à gravação, o criminalista declarou que "o que se revela é uma conversa em sua maior parte ininteligível". Segundo ele, "um simples relancear de olhos" permite notar que Neves "não tinha ciência das condutas do real criminoso, o delator".

Faria disse também que não se pode conferir "a menor credibilidade" ao áudio.

"Em momento oportuno, isso virá à tona", afirmou.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.