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Ex-cônjuges, mas atuais companheiros

Por Regina Beatriz Tavares da Silva
Atualização:
Regina Beatriz Tavares da Silva. CRÉDITO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A Emenda Constitucional nº 66 de 2010, a Emenda do Divórcio, eliminou a exigência da prévia separação, judicial ou de fato do casal para o fim definitivo do casamento através do divórcio. Na redação original da Constituição, o casamento poderia ser dissolvido pelo divórcio somente após um ano de separação judicial ou dois anos de comprovada separação de fato do casal, era o chamado sistema bifásico de dissolução do casamento. Desde a entrada em vigor da Emenda nº 66, o casamento passou a ser dissolúvel pelo divórcio a qualquer tempo, com ou sem separação prévia, a pedido de um ou de ambos os cônjuges, por via judicial ou extrajudicial.

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O processo de divórcio nunca foi tão fácil e rápido como hoje, e não falta quem veja nisso um grande avanço do direito de família no Brasil. Mas, a bem da verdade, é um fato que divórcio rápido e fácil significa muitas vezes divórcio precipitado.

Há vários exemplos de casais que, num momento de profunda crise no casamento, não conseguiram encontrar outro remédio para os problemas conjugais e se divorciaram, mas, tempos depois, superada a raiva, o ressentimento e a frustração trazida pelos antigos problemas, perceberam que ainda amavam um ao outro e reataram a relação.

Quando isso ocorre, é raro o casal "recasar"; o mais comum acaba sendo reatarem o relacionamento apenas no plano nos fatos, isto é, voltarem a viver juntos, pública, continua e duradouramente, com o propósito de reconstituir a família. Ou seja, retomam a família, mas agora sob uma nova forma: a forma de união estável.

A decisão de viverem juntos novamente pode parecer inócua, mas na verdade, gera os mesmos efeitos do casamento. Quando digo os mesmos, hoje em dia são exatamente os mesmos. Os ex-cônjuges passam a ser companheiros e o regime de bens, salvo um pacto em contrário, será da comunhão parcial de bens. Se a união estável for dissolvida haverá a renovação do direito à pensão alimentícia de quem necessitar. Direitos sucessórios um terá em relação ao outro, como se casado fosse. Enfim, todos os efeitos como se fossem casados.

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Também haverá direito previdenciário, como recentemente decidiu o Tribunal Regional Federal da 3ª Região: o INSS deve conceder pensão à viúva de um segurado com quem, apesar de divorciada, vivia em união estável. O casal havia se divorciado em 1992, mas doze anos depois reataram o convívio familiar, vivendo juntos em união estável até a morte do companheiro. O INSS pagava a pensão por morte do filho mais novo do casal, mas em 2009, com a maioridade do rapaz, encerrou completamente o benefício. A viúva requereu, então, o benefício em seu nome, mas o teve negado pelo INSS, que alegava não ter a mulher direito ao benefício, pois, ainda que vivesse juntamente com o falecido, dele estava divorciada há muitos anos. O TRF rejeitou este argumento, explicando corretamente que, desde que a mulher conseguisse comprovar a união estável com o falecido ao tempo do óbito - o que ela havia conseguido já na primeira instância -, pouco importava que ela houvesse se divorciado do mesmo homem duas décadas antes. Eles eram companheiros ao tempo do falecimento, e como companheiros deveriam ser tratados, beneficiando-se dos direitos inerentes a esta relação familiar, entre os quais, justamente, os direitos previdenciários.

Assim, quando ex-cônjuges voltam a se relacionar afetivamente um com o outro, embora pensem que nenhum efeito surgirá dessa relação no plano dos fatos e sem casamento civil, é preciso que saibam que todos, absolutamente todos os efeitos jurídicos, como se casados fossem, voltarão a ser produzidos na relação.

Nem mais casados, nem mais divorciados: companheiros.

*Presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões). Doutora em Direito pela USP e advogada

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