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'Eles estavam ali arrecadando para a campanha', diz empreiteiro sobre Berzoini e Vaccari

Ex-presidente da Andrade Gutierrez revela em audiência com juiz federal Sérgio Moro que, em 2008, reuniu-se com quadros do PT que exigiram 'doações eleitorais' sob argumento de que a empresa era 'parceira do governo'

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Por Ricardo Brandt , Julia Affonso e Mateus Coutinho
Atualização:

Ricardo Berzoini. Foto: Dida Sampaio/Estadão

O executivo Otávio Marques de Azevedo, ex-presidente da Andrade Gutierrez, declarou nesta quinta-feira, 28, ao juiz federal Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, que entre o final de abril e meados do mês de maio de 2008 durante reunião na sede da empreiteira em São Paulo, o então presidente do PT, Ricardo Berzoini, e o tesoureiro do partido na época, João Vaccari Neto, exigiram 'contribuição eleitoral'.

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O valor pedido por Berzoini e Vaccari, segundo o empresário, foi de 1% sobre todos os contratos da empreiteira com o governo federal, inclusive os que já tinham sido executados desde 2003 - primeiro ano da era Lula.

"O Flávio Machado, que era diretor da Construtora Andrade Gutierrez, me procurou dizendo que estava sendo pedido a ele um determinado nível de contribuição para o Partido dos Trabalhadores e que ele estava muito desconfortável com esse assunto. Era através do Paulo Ferreira, tesoureiro do PT. Ele (Machado) sentia que estava acima da capacidade dele de tomar qualquer posição e que procurou o Rogério (Nora), o presidente, o chefe dele. E que o Rogério também se sentiu...era PT, estava na Presidência da República, podia existir outros interesses do grupo. Me pediram para que eu pudesse ter uma reunião para resolver esse assunto", relatou Otávio Azevedo.

O empreiteiro prestou depoimento em ação penal em que é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro sobre esquema de propinas na Petrobrás.

Ele contou detalhes do encontro que afirma ter ocorrido com quadros importantes do PT. "Veio o sr. Vaccari, o Berzoini, o Paulo Ferreira, eu e o Flávio Machado. A posição colocada pelo Ricardo Berzoini foi de que nós éramos grandes parceiros do governo, que nós tínhamos uma participação muito importante nos projetos do governo e pediram uma contribuição eleitoral de um por cento de todos os projetos federais que a Andrade Gutierrez estaria executando e que já tinha executado, de 2003 para frente. Ou seja, projetos inclusive até já terminados e também projetos futuros. Eu realmente etranhei demais a colocação."

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O DEPOIMENTO DE OTÁVIO AZEVEDO:

https://www.youtube.com/playlist?list=PLLjnnzVPbUOkIoKodtJ3huKpwga9UL2Yb

Otávio Azevedo disse que 'do ponto de vista empresarial a reunião foi extremamente desagradável'.

"Fiquei bastante constrangido ali pela forma do pedido de um por cento de contribuição."

O empreiteiro diz que perguntou a Berzoini, a Vaccari e a Paulo Ferreira se haveria uma contrapartida. "Perguntei se isso ia representar algum benefício para a empresa, falou (sic) que não tinha obrigação de nada, que não iriam atuar no sentidfo de nos ajudar a conquistar mais coisas, não iriam atuar a favor da gente, era simplesmente uma atitude de apoiamento a um partido político que estava no governo."

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O juiz Moro indagou sobre o 'tom' da solicitação. "Foi desagradável, porque a minha reação foi desagradável com ele. Foi uma reunião dura, dura. Eles queriam. Como era ano eleitoral, isso foi em maio, por volta de 15 a 20 de maio, ou final de abril de 2008. Era um ano eleitoral, eles estavam ali arrecadando dinheiro prá campanha. Prá mim estava claro isso. Só que o tamanho do pedido foi muito maior que simplesmente uma eleição de 2008 (de âmbito municipal)."

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"O sr. deu alguma resposta?", perguntou o juiz.

"Eu disse que iria levar esse assunto ao Rogério Nora, presidente da Construtora, e que, posteriormente, o Flávio Machado faria contato com eles. Eu não voltei a estar com eles, o Flávio levou a resposta. Levei ao Rogério, ele gastou um bom tempo avaliando. Sobre o passado (pagamentos sobre projetos desde 2003), já nessa reunião, eu disse que nem levaria esse assunto sobre presente e futuro. O Rogério que se manifestasse. Ele que fecha as propotas, ele que assina os contratos, tem responsabilidade pela gestão dos contratos. Se ele pagasse ia ter que tirar do resultado do contrato. Rogério avaliou e falou 'olha, vamos fazer, tá bom'."

"Era período eleitoral, eles estavam cobrando. Foi respondido para eles que só faríamos sobre os contratos existentes, alguns contratos que o Rogério iria identificar quais e os contratos futuros que tivesse."

Otávio Azevedo destacou que a reunião com Berzoini e com os ex-tesoureiros do PT não tinha relação com os contratos da empreiteira no âmbito da Petrobrás. "Não foi uma reunião sobre Petrobrás, foi reunião sobre o conjunto dos projetos federais. O Rogério procurou equacionar isso dentro da matriz de resultados e de custos. Eu passei a cuidar da parte eleitoral do grupo e a ter responsabilidade sobre isso a partir de 2010. Até 2010 era a construtora que cuidava. Não acompanhei o que aconteceu. Em 2010 já tinha cobranças pesadas do Vaccari. O Vaccari passou a ser o cobrador. Ele passou a fazer visitas insistentes, ele ia me procurar para dizer que os executivos (da empreiteira) não estavam cumprindo as doações e aí recorrendo a mim prá isso. Eu disse para ele 'isso aí é com eles, e eu não quero saber Vaccari, isso é problema seu'."

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O empresário disse que a Andrade Gutierrez fez 'doações fora do período eleitoral'.

"Foram feitas doações ao PT em 2009, foram feitas doações ao PT em 2011, foram feitas doaões ao PT em 2013. Aí houve pagamentos dessas contribuições também nesses períodos que não foram períodos eleitorais. De 2010 prá frente eu tinha conhecimento. Como é que era: o Vaccari ia cobrar, inclusive fora do período de contribjuição eleitoral. Em 2010 tem contribuição antes de primeiro de julho, em 2012 também, 2014."

Otávio Azevedo declarou que a Andrade Gutierrez 'era conhecida como má pagadora desses compromissos'.

"Isso gerava muita reação do Vaccari. Por isso ele ia sempre cobrando, cobrando, cobrando."

Segundo o empresário, Vaccari falava com ele 'mais diretamente' sobre as obras da Usina de Belo Monte, "Era muito dinheiro e estava fora do acordo do Berzoini. Belo Monte não estava no acordo do Berzoini. Porém, como foi feito um entendimentro à parte sobre Belo Monte e o Vaccari era o cobrador, ele vinha cobrando um por cento sobre o contrato"

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Otávio Azevedo revelou como era feita a partilha do valor exigido. "Meio por cento para o PT e meio por cento para o PMDB."

"Se compararmos todas as contribuições feitas de 2008 para cá elas foram feitas dentro do raciocínio que era bônus eleitoral, uma coisa legal. Eu não tinha a percepção que estaria cometendo um delito em relação a isso. A verdade é que ele foi pressionando, eu pessoalmente fui pressionado para aceitar aquele entendimento em 2008. Porém, a contribuição se enquadrava dentro de um processo formal legal. Agora, sem dsúvida a decisão originária daquela contribuição vinha de alguma coisa que não era correta. Não tínhamos essa percepção. Nossa vontade, da construtora Andrade Gutierrez, era de não fazer (doações)."

E por que fizeram?, questionou o juiz.

O empreiteiro deu risada. "Por não ter vantagem nenhuma eu tenho impressão que foi uma coisa inexplicável do ponto de vista das relações até empresariais. Porque se não tivemos vantagem. Parte do que foi contribuído foi tirado de resultado, porque eram contratos já definidos, não havia razão. No caso do acordo do Berzoini não tivemos vantagem em nenhum momento. Foi oferecido um tranpolim de relacionamento."

Moro perguntou se a empreiteira foi ameaçada. "Não houve ameaça, havia era cobrança insistente."

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Ricardo Berzoini nega ilícitos. Citado por outro executivo da Andrade Gutierrez, o ex-presidente do PT disse que 'não é verdade' que tenha pedido contribuição de 1% sobre o valor dos contratos da empreiteira com a administração federal.

João Vaccari Neto, preso desde abril de 2015 na Lava Jato, nega ter solicitado recursos ilícitos. Por meio de seu defensor, o criminalista Luiz Flávio Borges D'Urso, o ex-tesoureiro do PT rechaça as suspeitas de arrecadação ilegal de valores. "As denúncias são de delatores, portanto, não têm validade", afirma D'Urso.

O ex-tesoureiro Paulo Ferreira, preso na Operação Custo Brasil (suposto desvio de R$ 102 milhões de empréstimos consignados no Ministério do Planejamento, entre 2010 e 2015), também nega envolvimento com irregularidades. O criminalista José Roberto Batochio afirma que Ferreira nunca se envolveu em atos ilícitos.

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