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Desvios de recursos públicos representam mais de 10% das investigações da PF, diz diretor-geral

Chefe da Polícia Federal comenta números divulgados pelo Estado e fala sobre os desafios e estratégias do órgão no enfrentamento de fraudes com dinheiro público

Por Mateus Coutinho
Atualização:

por Fausto Macedo

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Como informou o Estado nesta segunda-feira, 27, a Polícia Federal investiga fraudes e corrupção em contratos da administração que somam R$ 15,59 bilhões em investimentos com recursos públicos. Para o diretor-geral da PF, Leandro Daiello, essa quantia recorde é fruto do investimento na estruturação de uma área especializada no combate aos desvios de dinheiro público.

Ao todo, são 12.870 inquéritos policiais que tratam deste tema. Segundo o diretor, a região Nordeste, uma das que mais recebe repasse de recursos federais, é a que a concentra a maior parcela das investigações, com 5.371 inquéritos policiais, o que representa 41,7% do total.

Confira abaixo a íntegra da entrevista na qual ele comenta os números, as táticas e as estratégias da PF para lidar com as fraudes envolvendo dinheiro público.

ESTADO: O que explica a cifra de R$ 15,5 bilhões em contratos sob suspeita?

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LEANDRO DAIELLO: Ela pode ser explicada pelo investimento feito pela direção da Polícia Federal na estruturação de uma área especializada no combate a essa prática criminosa que drena anualmente vultosas quantias dos cofres públicos. Uma vez estabelecida essa prioridade, temos capacitado policiais federais para atuar em investigações que vão desde o combate aos crimes de corrupção realizados de forma isolada por um servidor, até aqueles praticados por servidores públicos que visam facilitar a ação de organizações criminosas especializadas em dilapidar o patrimônio público.

ESTADO: Quantos inquéritos sobre desvios de recursos públicos estão em andamento?

LEANDRO DAIELLO: Dados de dezembro de 2013 mostram que estão em andamento 12.870 inquéritos policiais em todo o Brasil que apuram, inclusive, a prática de crimes que envolvem o desvio de recursos públicos. Importante salientar que este número representa mais de 10% de todas as investigações em curso na Polícia Federal, que totalizam 108.822 inquéritos policiais em andamento.

ESTADO: Quais as áreas do serviço público mais afetadas?

LEANDRO DAIELLO: São afetadas diversas áreas do serviço público conforme demonstram as nossas recentes operações especiais. E o mais importante é que após cada uma das investigações, é possível ao gestor público diagnosticar eventuais fragilidades na sua respectiva área e tomar medidas para aperfeiçoar os instrumentos de controle.

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ESTADO: Historicamente, as organizações criminosas miram mais afoitamente os recursos da saúde e da educação. Por quê?

LEANDRO DAIELLO: Apesar de se observar desvios em diversas áreas da administração pública é importante salientar que a maior fatia dos recursos orçamentários das áreas da saúde e educação são descentralizados para milhares de prefeituras, as quais são responsáveis por sua aplicação no interesse da população. Desde 2011, a Polícia Federal instaurou mais de 3000 investigações contra prefeituras por mau uso de verba pública federal.

Para diretor-geral da PF, investimentos do órgão permitiram chegar à cifra recorde de recursos públicos investigados. Foto: Divulgação

ESTADO: Em que regiões é mais acentuada a ação das organizações? Por quê?

LEANDRO DAIELLO: Segundo dados de nossas investigações, a região Nordeste concentra 5371 inquéritos policiais, o que representa 41,7% do total. Isso porque há um maior repasse de recursos públicos federais para áreas mais carentes nas regiões norte e nordeste. É, portanto, uma questão de proporcionalidade.

ESTADO: Como a PF rastreia os movimentos desses fraudadores? Que técnicas são utilizadas?

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LEANDRO DAIELLO: As nossas investigações são iniciadas a partir de informações fornecidas por particulares que detém o conhecimento de fraudes envolvendo o desvio de recursos federais, assim como tendo por base relatórios dos órgãos de controle como o Tribunal de Contas da União e autarquias federais eventualmente lesadas. Pela nossa experiência na apuração dessas práticas criminosas, é possível observar um certo padrão na conduta dos fraudadores, como por exemplo a criação de empresas fantasmas para ganhar licitações sem que exista a prestação do serviço ou mesmo havendo a má execução de obras ou serviços. Muitos, inclusive, pagam propina a servidores públicos para facilitar essas contratações irregulares.

ESTADO: Como a PF enfrenta os cartéis?

LEANDRO DAIELLO: A Polícia Federal acompanha o fenômeno da cartelização de preços tanto no setor privado quanto no setor público, nos procedimentos licitatórios. Os carteis agridem a livre concorrência de preços, causando enorme prejuízo à população e ao erário. Em razão desse e de outros mecanismos de apropriação indevida de dinheiro público, foi implementada e continua em expansão estrutura específica de repressão a crimes de desvio de recursos públicos. Também foram elaborados manuais de investigação e estão sendo ministrados treinamentos aos policiais envolvidos na repressão a estes crimes.

ESTADO: Como identificar conluio entre as empresas?

LEANDRO DAIELLO: Entre várias técnicas existentes para se identificar a ocorrência de fraudes à licitação, sempre devem ser analisados os preços oferecidos, buscando coincidências nas diferenças entre os vencedores e os demais participantes do certame, além de se buscar identificar eventuais acordos sigilosos e fatiamento de mercado.

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ESTADO: Quantas prisões ocorreram em 2013? Dessas prisões, quantas são de fraudadores do Tesouro?

LEANDRO DAIELLO: A Polícia Federal realizou 487 prisões ou conduções coercitivas em operações de combate ao desvio de recursos públicos e à corrupção das quais 31 de servidores públicos. Importante esclarecer que as recentes mudanças legislativas aumentam o número de decisões judiciais de afastamento do servidor de suas atividades, enquanto ocorrem as investigações, em detrimento do decreto de prisão.

ESTADO: Quantas operações foram realizadas? Quantas são relativas a desvios do dinheiro público?

LEANDRO DAIELLO:  Das 296 operações especiais de polícia judiciária realizadas em 2013 (dados consolidados até meados de dezembro), 56 foram para combater crimes relacionados ao desvio de recursos públicos, o que representa 19% de todas as operações especiais no ano. Significa dizer que a PF bateu o recorde histórico em números absolutos e percentuais de operações nessa área. Em 2012, já havíamos ampliado o nosso trabalho com 46 operações especiais (15% do total). Temos trabalhado fortemente em parceria com o TCU, a CGU, a Receita Federal e a Previdência Social, na questão dos desvios de recursos públicos.

ESTADO: O julgamento do mensalão e a condenação de políticos graduados e de gestores de instituições financeiras podem ter reflexos na luta contra a corrupção?

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LEANDRO DAIELLO: A Polícia Federal possui uma doutrina de atuação bem definida, pautada nos ditames da Constituição Federal, e estabeleceu, anos atrás, a sua prioridade de atuação em dois eixos bem definidos: o combate à corrupção e ao desvio de verbas públicas bem como a prevenção e repressão ao tráfico de entorpecentes, notadamente nas regiões de fronteira. Não é por acaso que batemos recordes de apreensão de drogas em 2013 e no número de operações especiais de repressão a corrupção. Atingimos a cifra histórica de 15 bilhões de reais em contratos sob investigação. Casos de repercussão nacional e de visibilidade não possuem influência no sucesso de nossas operações nem mesmo pautam a nossa atuação.

ESTADO:2014 é ano de eleições gerais. Como a PF se prepara para combater o caixa 2?

LEANDRO DAIELLO: A Polícia Federal é a polícia judiciária da União, logo, possui a atribuição constitucional de investigação de crimes eleitorais. O trabalho de preparação e capacitação da Polícia Federal é constante e a experiência adquirida em eleições anteriores será de grande valia para continuarmos aperfeiçoando nossas técnicas de investigação. A Polícia Federal age de maneira republicana. Onde houver a prática de um crime de atribuição da PF, lá estaremos para investigar e prender os responsáveis, sempre que assim a lei nos autorizar. Estamos trabalhando com o Tribunal Superior Eleitoral e com a Procuradora Geral da Republica no planejamento das ações preventivas e repressivas a pratica de crimes eleitorais.

ESTADO: A nova lei que define organização criminosa (lei 12.850/13) prevê que também o delegado de Polícia pode oferecer ao investigado os benefícios da delação premiada. O sr. acha que a delação tem eficácia ou é apenas uma forma de o suspeito tentar se livrar da prisão?

LEANDRO DAIELLO: A colaboração premiada é uma das técnicas especiais de investigação prevista na Convenção da ONU de combate à corrupção, sendo uma excelente ferramenta de investigação, a qual é utilizada em vários países. Tal instituto já existia em várias leis brasileiras, todavia, acreditamos que o avanço contido na 12.850/13, permitindo ao delegado de Polícia oferecer a colaboração premiada ao investigado no bojo do inquérito policial, permitirá maior eficiência e eficácia à persecução penal.

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