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Delação não afasta risco de ex-presidente da Transpetro ser julgado por Moro

Desmembramento de processos pode levar Sérgio Machado, o novo homem-bomba da Lava Jato que gravou conversas comprometedoras com membros da cúpula do PMDB, a enfrentar o juiz da Lava Jato e suas 158 prisões e 93 condenações

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Foto do author Fausto Macedo
Por Ricardo Brandt e Fausto Macedo
Atualização:

Ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, investigado pela Lava Jato 

As gravações do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado com políticos do PMDB, feitas como parte do acordo de delação premiada fechado com a Procuradoria-Geral da República, não afastam a possibilidade dele ser julgado na 13ª Vara Federal, em Curitiba - origem e sede dos processos em primeiro grau da Operação Lava Jato. Novo homem-bomba do escândalo Petrobrás, seu medo é enfrentar o juiz federal Sérgio Moro - e suas 158 prisões e 93 condenações.

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Até aqui, foram tornadas públicas conversas com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com o ex-presidente e senador José Sarney (PMDB-AP) e com o senador Romero Jucá (PMDB-RR) - exonerado do cargo de ministro do Planejamento, um dia após a divulgação dos conteúdos. Neles, os peemedebistas mencionam a preocupação com a prisão de Machado, por Moro, e os avanços da Lava Jato, em Curitiba.

Com um rombo no caixa da Transpetro reconhecido em balanço de R$ 256,6 milhões por desvios em contratos de R$ 8 bilhões, um adiantamento de R$ 511 milhões para estaleiros de empreiteiras do cartel acusado de corrupção na Petrobrás e a confissão de três delatores sobre propinas nos negócios da subsidiária, Sérgio Machado segue investigado em um inquérito aberto em Curitiba.

É nessa apuração que Machado ainda pode virar réu de Moro pelos crimes praticados por ele de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Investigadores e advogados especialistas em delação, ouvidos em reservado, avaliaram que ao arrastar políticos da cúpula do PMDB com foro privilegiado para o centro do escândalo, a delação premiada de Machado pode ter afastado temporariamente o risco uma prisão preventiva decretada em Curitiba - tratada nas conversas como a "Torre de Londres", referência ao castelo inglês que nos séculos XVI e XVII foi prisão e local de torturas. Mas não afasta a possibilidade de denuncia criminal contra ele por crimes na Transpetro - a não ser que o Supremo expressamente proíba esse desmembramento.

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Em outros casos da Lava Jato, como o que envolve suposto recebimento de propina pelo presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o ministro Teori Zavaski - relator da Lava Jato no Supremo - mandou seguir com Moro os processos contra sua mulher, Cláudia Cruz, e contra outros delatores, como o ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró. Ficou apenas com a parte do caso, que envolve o recebimento e a lavagem dos alvos com foro.

Risco Curitiba. Machado expressou, nos diálogos, o medo de ser preso por Moro. "Ele (Rodrigo Janot, procurador-geral da República) acha que no Moro, o Moro vai me prender, e aí quebra a resistência e aí... Então, a gente precisa ver. Andei conversando com o presidente Sarney, como a gente encontra uma... porque se me jogar lá embaixo (Curitiba) eu to f...", afirma Machado, em diálogo com Renan Calheiros - principal investigado no inquérito que resultou na delação de Machado, em trâmite no Supremo.

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O temor de enfrentar o juiz da Lava Jato em Curitiba, citado nas escutas do delator, pode soar como chamariz para envolver os interlocutores em conversas comprometedoras. Mas os números de revisão de prisões e sentenças do juiz da Lava Jato mostram que o medo tem fundamento. Dos 372 habeas corpus e recursos em habeas corpus apresentados pelas defesas contra acusações, desde 2014, apenas 3,5% prosperaram no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, segundo balanço do início do mês feito pela Procuradoria da República.

Com indícios de existência na Transpetro de um tentáculo do esquema de cartel e corrupção descoberto na Petrobrás, a força-tarefa do Ministério Público Federal e Polícia Federal, em Curitiba, considera ter elementos para imputar a Machado crimes. No esquema "sistêmico" de "propina tabelada", como classificou o juiz da Lava Jato, políticos do PT, PMDB e PP, em conluio com empresários e agentes públicos, lotearam postos chaves nas estatais e suas subsidiárias para arrecadar de 1% a 3% nos contratos públicos - um desvios de mais de R$ 20 bilhões, em dez anos.

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Caixa do PMDB. Machado seria um braço do PMDB na Transpetro, sustentado no cargo por Renan Calheiros, que arrecadou valores para membros do partido e para benefício próprio. Ele ocupou a presidência da companhia desde o primeiro ano do governo do PT, com Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, até ser afastado, no início de 2015, com Dilma Rousseff, por ter o nome citado no escândalo Petrobrás.

A apuração em Curitiba foi aberta após confissão do primeiro delator da Lava Jato, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa. Ele citou ter recebido propina de R$ 500 mil de Machado, referente a contratos de afretamentos de navios. Desde então, outros dois delatores comprometeram o ex-presidente da Transpetro: o dono da UTC, Ricardo Pessoa, que diz ter pago R$ 1 milhão em um contrato, e o ex-senador Delcídio Amaral (sem partido-MS), que ligou o novo homem-bomba ao presidente do Senado e ao esquema de propinas.

 

Em 2015, a força-tarefa da Lava Jato descobriu indícios de corrupção em outros contratos, em especial o de construção de navios, com recursos levantados no Promef (Programa de Modernização da Frota), lançado em 2004 pelo ex-presidente Lulas. Com investimento de R$ 11 bilhões - e a participação do BNDES -, o programa transformou a Transpetro numa subsidiária de peso da Petrobrás.

As suspeitas são que valores desviados desses contratos tenham abastecido políticos do PMDB. É desse pacote de contratações que foi aberto o inquérito da PGR que levou Machado a fechar acordo de delação premiada. Ele é suspeito de fraudar o processo de licitação para compra de 20 comboios com 80 barcaças no valor de US$ 239,1 milhões destinadas ao transporte de etanol pela hidrovia Tietê/Paraná, no interior de São Paulo.

O estaleiro contratado teria repassado propina em forma de doação legal para a campanha Renan Calheiro, em 2010. O procurador-geral da República sustentou ao Supremo que a "contratação do Estaleiro Rio Tietê possui elemento a confirmar que (a licitação) teria sido fraudulenta" e que recursos "relacionados a essa contratação foram carreados a favor de Renan Calheiros". O grupo nega. Endereços do ex-presidente da Transpetro foram alvo de buscas - na Operação Catilinárias - em dezembro de 2015.

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O maior volume de recursos de contratos de construção de embarcações da Transpetro, no entanto, está concentrado em um pacote de 46 navios, dos quais nove tinham sido entregues até o início do ano. A Lava Jato em Curitiba quer saber o destino de um adiantamento de 5% para os estaleiros, feitos entre 2007 e 2013 - que representa R$ 511 milhões. O principal beneficiado é o Estaleiro Atlântico Sul, formado pelas empreiteiras Camargo Corrêa e Queiroz Galvão - já alvo de acusação em obras da Petrobrás. A empresa nega propinas.

Se comprovada a existência de corrupção nesses contratos, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba deve esperar pronunciamento de Teori e a divulgação do conteúdo do acordo de delação de Machado para prosseguir com as investigações e levar novas denúncias ao juiz Sérgio Moro.

Defesas. Procurado por meio de sua assessoria de imprensa, Sérgio Machado não foi encontrado para comentar o caso.

A Transpetro informa que "não fez qualquer desses pagamentos indevidos" apontados na Lava Jato. Em balanço contábil, a companhia admitiu perda de R$ 256 milhões e informou "que está acompanhando e colaborando com as investigações", além de ter aprofundados em 2015 as medidas de compliance para evitar mais prejuízos. "Não toleramos qualquer prática de corrupção e consideramos inadmissíveis práticas de atos ilegais envolvendo os nossos empregados."

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