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Decano da força-tarefa diz que projeto de abuso de autoridade acaba com Lava Jato

O procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima disse que proposta em discussão no Senado, do presidente Renan Calheiros (PMDB-AL), tem influência do governo Temer

Por Ricardo Brandt e e Fausto Macedo
Atualização:

O procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima. Foto: Gisele Pimenta/Frame

O procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima faz um alerta: "a aprovação da lei de abuso de autoridade pode significar o fim da Operação Lava Jato". Mais experiente dos investigadores da força-tarefa criada, em Curitiba, para investigar o maior escândalo de corrupção do Brasil declarou ver "influência" do governo Michel Temer (PMDB) na proposta em tramitação no Senado e avisa que deixará os processos do escândalo Petrobrás, se o projeto virar lei.

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"A aprovação da lei de abuso de autoridade pode significar o fim da Operação Lava Jato, inclusive eu pessoalmente, se essa lei for aprovada, não vou continuar (na força-tarefa)", afirmou Carlos Fernando, em entrevista ao Estadão.

O projeto de lei de reforma da antiga Lei de Abuso de Autoridade, de 1965, é de 2009. Estava engavetado e foi retomado este ano com texto substitutivo (projeto de lei 280/2016), de autoridade do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) - que praticamente não faz propostas de lei na Casa.

"O texto do projeto tem por finalidade principal criar constrangimento para quem investiga situações envolvendo pessoas poderosas, especialmente empresários e políticos. Nós não vamos ficar a mercê, como já acontece hoje com as inúmeras representações que a gente recebe, de ações penais privadas propostas por qualquer um que se sinta incomodado", avaliou o procurador.

Carlos Fernando foi alvo de representação movida pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Conselho Nacional no Ministério Público (CNMP), por conduta indevida nos processos da Lava Jato. O pedido de afastamento foi negado pelo colegiado.

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"É uma lei absurda. Justificam (os defensores do projeto) que a proposta é para punir a 'carteirada', mas ela não está lá no texto. Mas criam tamanha dificuldade para julgadores e investigadores e acusadores", ponderou o procurador.

"O que uma lei dessa vai propiciar é um esquema - e aí está a inteligência do negócio - no qual não vai haver mais lava jatos de nenhuma espécie. A não ser que a pessoa arrisque sua vida pessoal e profissional. Porque ela vai ser ameaçada por corruptos e bandidos em geral, porque vai estar exposta a todo tipo retaliação. Eu posso sofrer uma ação penal privada, é um absurdo."

Para o procurador da Lava Jato, seria uma primeira contraofensiva efetiva do governo contra o combate à corrupção no País, que representará a volta do sistema em que ricos e poderosos não vão para a cadeia.

"Vamos voltar para o modelo de Justiça criminal para os pobres. Que é o que sempre vimos. Até o Caso Banestado, tem um livro da doutora Ela (Wiecko) Castilho (ex-procuradora da República) em que ela mostra que até aquela época (fim da década de 1990) não havia punição por colarinho branco. Até hoje, se juntar toda população carcerária, não chega nem perto de 1%."

Renan Calheiros (à esq.) e Lula. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Influência. No mais duro ataque de um membro da Procuradoria da República à proposta de lei que estipula punições a autoridades por abuso de poder, Carlos Fernando diz "ver a influência" do governo na tentativa de aprovar o projeto, desengavetado pelo presidente do Senado.

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"Eu vejo, nisso tudo, apesar de todas as negativas, a influência do governo atual, porque não podemos deixar de perceber que as pessoas que patrocinam essas medidas, são exatamente aquelas que fazem parte do comando da base de apoio do atual presidente", afirmou o procurador.

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A nova proposta feita por Renan é alvo de críticas de investigadores e de entidades representativas do Judiciário e do Ministério Público, que veem no texto uma forma de engessar investigações contra criminosos de colarinho branco.

A medida foi retomada no Senado como prioridade e passou a ser analisada em comissão criada por Renan, que tem como relator o senador Romero Jucá (PMDB-RR) - da tropa de choque do presidente Temer. Os dois parlamentares que encabeçam a proposta no parlamento são alvos de investigações da Lava Jato e tiveram os nomes citados por delatores como recebedores de propinas do esquema Petrobrás.

Integrante da força-tarefa do Caso Banestado - mega esquema de desvios de dinheiro via contas CC-5 na década de 1990 - e membro da equipe da Lava Jato, desde sua origem, Carlos Fernando disse que "o que está acontecendo agora é algo que até mesmo o governo Dilma Rousseff tinha vergonha de tentar fazer".

Atentado. Um dia antes das críticas do procurador, o juiz federal Sérgio Moro, dos processos da Lava Jato em primeira instância, em Curitiba, afirmou que da forma como está redigido o projeto, se aprovado ele será "um atentado à independência da magistratura".

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"É importante que se for realmente se pensar e aprovar esse projeto, que fossem estabelecidas salvaguardas para que ficasse claro que o alvo dessa lei não é a interpretação da magistratura a respeito do que significa o Direito. Do contrário, vai ser um atentado à independência da magistratura", afirmou Moro.

 

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