Não há mais nada em que se possa efetivamente acreditar, ou melhor, tudo é possível acontecer, mormente em se tratando da elite política brasileira e desses últimos governos do PT. É mais fácil crer no Saci Pererê, no Coelhinho da Páscoa e em Papai Noel do que nas declarações e promessas dos nossos atuais governantes.
O brasileiro já não sabe mais onde pisa. Se a Mega-Sena acumula 200 milhões, ficamos incertos sobre a lisura do concurso e, inclusive, acerca da existência de reais ganhadores da bolada; se organizamos grandes eventos esportivos internacionais, não sabemos ao certo o que há por detrás de tantos gastos e tantos estádios, nem tampouco as verdadeiras razões das candidaturas, tamanha a insegurança, o abismo moral dos "escolhidos" para administrar a coisa pública e a avalanche de escândalos que desfilam nas manchetes dos jornais. Será que as eleições presidenciais de 2014 foram de fato realizadas com lisura e sem fraudes? O que nos autoriza a acreditar em qualquer coisa que sofreu alguma influência desse partido político que transforma em fraude e engodo tudo em que encosta? Hoje, por incrível que pareça, desconfiamos até da lista de convocados da Seleção Brasileira.
O Brasil foi, ao fim e ao cabo, apresentado ao crime institucionalizado, um câncer, um flagelo cujo combate parece exigir heroísmo extremado dos encarregados da sua persecução penal, pois, afinal, combatem - grosso modo e em última instância - seus superiores hierárquicos.
Como já explicado à exaustão, essa modalidade delituosa posiciona-se algumas centenas de degraus acima do crime organizado convencional. Não há nada mais intrincado e desafiante do que combater uma estrutura criminosa que se encontra engastada no próprio Estado, com autoridades e agentes nomeados em diário oficial, indicados e escolhidos a dedo para delinquir, fraudar e desviar recursos públicos. Esses atores do crime institucionalizado estão estabelecidos em patamar hierárquico superior àqueles que os investigam. Com essa folga, os criminosos acabam garantindo, não apenas a continuidade dos seus lucros, mas, sobretudo, a impunidade dos esquemas ilícitos.
A Lava Jato também nos mostrou que esse crime institucionalizado não observou limites. A engenharia elaborada por seus titulares produziu uma máquina para desviar e amealhar bilhões de reais com o objetivo secundário de comprar apoio político e o intento primário de manutenção do seu grupo no poder. Aliás, não se sabe mais ao certo o que havia de fato na gênese desse projeto: o poder para amealhar o dinheiro ou o dinheiro para consolidar o poder. As fomes, de fato, se confundem, e hoje não sabemos mais se os pixulecos foram meio ou foram fim.
Todavia, passado o momento inicial de estupefação, falta ainda ao brasileiro médio chegar à última das conclusões: se os altos gestores do crime sistêmico institucionalizado tiveram a audácia e determinação para promover tantas fraudes, envolvendo as mais elevadas esferas da república, agindo sem a menor das cerimônias, por que não lançariam seus tentáculos, seus exércitos de nomeados, suas legiões de paus mandados, com os demais instrumentos a eles disponíveis e com a ganância que lhes é peculiar, para fraudar as eleições presidenciais de 2014?
O que nos autorizaria hoje a acreditar nos escrúpulos daqueles que não demonstraram limites para destruir a Petrobras, maquiar a contabilidade do Brasil com pedaladas e desviar dinheiro sujo para as suas campanhas eleitorais? Por que deixariam escapar nas urnas o maior projeto de poder já orquestrado nesse país? De que adiantaria o Mensalão e o Petrolão se o grupo que pilota esse esquema perdesse, nas eleições de outubro de 2014, o comando e o controle da máquina pública federal?
A Operação Acarajé da Polícia Federal, contudo, deflagrada no dia 22 de Fevereiro de 2016, começa a descortinar o que pode ter sido um trambique eleitoral sem precedentes na nossa História, e, infelizmente, a confirmar a tese do crime institucionalizado. Estariam a PF e o MPF prestes a puxar o fio da meada do financiamento criminoso nas últimas corridas presidenciais, ao rastrear o dinheiro que, desviado dos esquemas de corrupção do Petrolão, abasteceram as campanhas daquele partido que o capitaneou.
Entretanto, a possibilidade da ocorrência de aparelhamento e fraudes no sistema eletrônico de votação adotado pelo Brasil é, ainda, para a maioria dos brasileiros, uma lenda urbana, fruto de desacreditadas teorias de conspiração. E, de fato, as evidências nesse sentido são escassas. Hoje, até o momento, são poucos os que creem que os operadores do crime sistêmico institucionalizado tenham também cuidado para garantir a continuidade do seu projeto de poder, estendendo suas ações e influências sobre a votação eletrônica no último pleito para a presidência da república Mas como disse recentemente a revista britânica The Economist, "no Brasil, até o passado é imprevisível". Sabe-se lá o que poderá ainda surgir desse enorme lamaçal que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal estão ainda a revolver.
Mas, enquanto não chegamos ao grand finale desse dilúvio vergonhoso, nós, sociedade brasileira, atendamos ao chamamento do Juiz Sérgio Moro e tomemos as ruas e as praças do Brasil no dia 13 de Março; vamos em apoio à Operação Lava Jato, no seu momento crítico de alcançar as autoridades mais poderosas, os tais "intocáveis", até então. Vamos apoiar a Justiça, o Ministério Publico e também clamar pela concessão de autonomia financeira e administrativa para a Polícia Federal, que é constitucionalmente estabelecida como polícia judiciária da União. Vamos mostrar para esse bando de picaretas de quem é o Brasil afinal.
* Jorge Pontes é delegado da Polícia Federal e foi diretor da Interpol no Brasil