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Cervejaria ocultou tesouro de US$ 70 milhões no Caribe, diz delator

Olívio Rodrigues Júnior, 'laranja' das contas secretas da Odebrecht, afirmou à Lava Jato que donos da Itaipava converteram fortuna de propinas, guardada em banco nas ilhas Antígua e Barbuda, em imóveis à beira-mar

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Por Ricardo Brandt , Luiz Vassallo , Julia Affonso e Fausto Macedo
Atualização:
 

Ao norte do Mar do Caribe, nas pequenas ilhas que formam Antígua e Barbuda, a força-tarefa da Operação Lava Jato procura pistas de um tesouro oculto de aproximadamente US$ 70 milhões. O mapa para chegar à fortuna - ou aos rastros de sua existência - foi entregue aos investigadores na mega delação premiada da Odebrecht, por Olívio Rodrigues Júnior, o "laranja" responsável por abrir e controlar contas secretas, em paraísos fiscais, para a máquina de fazer propinas do grupo, o Setor de Operações Estruturadas.

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Olívio, como é conhecido, é um dos 78 colaboradores da maior delação já fechada pela Lava Jato. Em seus depoimentos, ele afirmou que os donos da Cervejaria Itaipava e um contador converteram em investimentos imobiliários, nas ilhas de Antígua e Barbuda, o dinheiro que escondiam em conta secreta do banco Antigua Overseas Bank (AOB).

"Eles, da Cervejaria Itaipava, têm hoje a quantia de US$ 70 milhões, ou US$ 60 (milhões), ou US$ 80 (milhões), não sei especificar o valor, em imóveis dentro da ilha, representado por esses títulos", afirmou Olívio, no Termo 05 de sua delação premiada, fechada em dezembro, com a Procuradoria Geral da República (PGR).

O objetivo da operação de compra de imóveis, segundo Olívio, seria salvar o dinheiro não declarado e apagar rastros de pagamentos para políticos e agentes públicos, feitos pela Petrópolis, viaconta secreta em nome da offshore Legacy International Inc - que seria controlada por Silvio Pelegrini, contador da empresa.

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Na época, o contador e os donos do Grupo Petrópolis, Walter Faria, e seu sobrinho Vanuê Faria, tinham sido alvos de uma investigação da Polícia Federal, no Brasil - a Operação Avalanche, em 2008

Rastros. A conta Legacy recebeu US$ 99 milhões de dinheiro ilícito da Odebrecht, em 2007 e 2008, como compensações pela venda de reais não contabilizados da cervejaria no Brasil, aponta a mega delação da Odebrecht.

"Ele pegou o montante que estava na conta da Legacy, sacou o dinheiro todo, em cheque, e foi no próprio banco e comprou títulos que eles tinham emitido de uma empresa imobiliária, no próprio banco, fazendo uma capitalização desses recursos dentro de uma empresa imobiliária, saindo do banco esses valores, encerrou a conta e, em tese, sumiu com ela."

A operação de compra de títulos imobiliários foi montada, segundo o delator, por dois brasileiros representantes do AOB, que cuidavam das contas secretas da Cervejaria Itaipava e da Odebrecht, em Antígua e Barbuda. Os dois citados na delação, Luiz Augusto França e Marcos Pereira de Sousa Bilinski, são delatores da Lava Jato, desde 2016.

O AOB quebrou em 2010. "Foi feito isso para serem ressarcidos o dinheiro lá, Como o banco quebrou, eles foram a única instituição que conseguiu reaver o dinheiro, porque eles tinham feito isso antes do banco quebrar", explicou Olívio, à Lava Jato.

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Questionado se o dinheiro, convertido em imóveis pela Petrópolis, era de caixa 2, ele confirmou. "Caixa 2, que basicamente eles usavam para pagar agentes públicos dentro do próprio AOB", respondeu o delator.

Olívio não sou apontar os nomes dos beneficiários, mas disse que França e Bilinski saberiam dizer. "Foram eles que conduziram a operação para que não fosse a público os nomes desses agentes públicos, eles que sonegaram essa informação e transformaram tudo em uma operação obscura."

Tesouro. O "laranja" da Odebrecht relata em sua delação que o tesouro oculto da Cervejaria Petrópolis estaria ainda imobilizado no Caribe. Formada por três ilhas, do antigo arquipélago das Pequenas Antilhas - nome dado ao paraíso caribenho, por Cristóvão Colombo -, Antígua e Barbuda é um dos países já em cooperação internacional jurídica com o Ministério Público do Brasil.

Investigadores já iniciaram a caça ao tesouro da Petrópolis no Caribe, ou de rastros que levem a ele. Olívio deu pistas sobre os imóveis. "São N imóveis, tem até hotel."

O procurador da República Orlando Martello, da força-tarefa da Lava Jato, questionou se o investimento era referente à cotas em um fundo imobiliário.

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"É imóvel específico, terreno de frente para a praia, tudo deles, o hotel, não sei das quantas, Marina ..., não me recordo o nome. É inteiro deles, não é uma cota parte. Porque o volume (de dinheiro) era muito expressivo, e para a ilha também, é um volume absurdo. O terreno é uma encosta inteira", narrou Olívio.

Na delação de França, Bilinski e Vinicios Veiga Borin, outro representante do banco, eles confessaram que com o problema na instituição, eles compraram em parceria com Olívio Rodrigues Júnior e o Grupo Petrópolis 51% de uma filial do Meinl Bank, de Viena, em Antigua, para continuar a movimentar recursos na ilha. Nos depoimentos tornados públicos pela Lava Jato, no entanto, eles não citam a conversão dos recursos da cervejaria em imóveis.

 Foto: Estadão

"O Luiz França e o Marcos Bilinski (representantes do AOB) foram as pessoas que conduziram essa operação e Vanuê Farias (sobrinho do dono da Petrópolis, Walter Faria) participou", afirmou o delator.

Olívio conta que um representante do AOB abriu subcontas na conta Legacy e que elas foram usadas para pagar agentes públicos ou políticos. Por isso, a conta teve que ser fechada.

"Eu viajei num jato deles, com eles, para negociar a operação do banco. Saí daqui do Brasil, em um jato deles, um Legacy 45. Tanto para negociar a parte do problema da Odebrecht, que existia os US$ 15 milhões, para ver se recebia ou não, como eles foram negociar a parte deles que era os US$ 70 milhões que estavam com problema lá na ilha quando o banco quebrou."

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Nas delações dos funcionários do AOB, eles relatam em 2016 que quando o banco quebrou, o dinheiro da Odebrecht, que estava distribuídos em várias contas, foi concentrado na conta da Klienfeld, controlada por Olívio, e US$ 15 milhões foram perdidos.

Olívio, que tinha relação mais próxima com os representantes do banco, entregou aos investigadores os nomes das outras offshores relacionadas à usada pela Itaipava.

 Foto: Estadão

Para investigadores da Lava Jato, parte desses negócios podem estar relacionados a pagamentos de propinas a políticos e agentes públicos no Brasil.

Por meio de nota, os donos da Itaipava negam relação com a conta e afirmam que todas suas transações estão registradas.

Provas. O delator entregou documentos para os investigadores da Lava Jato, como prova do que narrou, entre eles, um contrato entre as offshores e uma planilha com os registros de movimentação de dinheiro da conta da Legacy e das contas offshores usadas pela Odebrecht, a Klienfeld Services e a Inovattion Research Engineering and Development.

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"Tenho conhecimento de uma conta no exterior de nome Legacy aberta junto ao Banco AOB", relatou o delator, aos procuradores da Lava Jato. "Na conta, foi feita a compensação de valores já disponibilizados em reais no Brasil. Em 2007 foi pago nesta conta US$ 25,5 milhões e em 2008 cerca de US$ 73 milhões."

 
 
 

Outros três delatores da Odebrecht detalharam como a empresa se aproximou do Grupo Petrópolis, em 2006, e realizou operações de dólar-cabo em 2007 e 2008, vendendo reais no Brasil e recebendo em dólar no AOB, em Antigua e Barbuda.

Hilberto Mascarenhas da Silva Junior, que era o chefão do Setor de Operações Estruturadas, Luiz Eduardo da Rocha Soares, que controlava a rede de mais de 40 contas secretas usadas pela Odebrecht e Olívio, o principal "laranja" das contas, contaram que foram apresentados, em 2006, para o Grupo Petrópolis pelos dois representantes do AOB, Luiz França e Bilinski.

"Ela (Cervejaria Petrópolis) era uma empresa que tinha muitos reais e gostaria de transforma-los em dólares. A Odebrecht precisava de alguém que disponibilizasse reais no Brasil e quisesse receber o equivalente, em dólar, no exterior, e a Cervejaria tinha interesse nessa operação", relatou Olívio.

Olívio e os outros dois delatores narraram o almoço, em um restaurante do quilômetro 53, da rodovia Castelo Branco, em que foram apresentados os parceiros de ilícitos. Entre eles, o dono do Grupo Petrópolis, Walter Faria, além de Vanuê e o contador Silvio Pelegrine - esse último, o controlador da conta da Legacy International Inc.

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"Fizemos duas operações testes, em confiança", afirmou Olívio. Foram US$ 500 mil e depois mais US$ 1 milhão para averiguar a eficiência do sistema. As duas operações foram compensadas com depósitos no banco Safra, em Genebra, na Suíça."

Em dois anos de operações de dólar-cabo, cerca de R$ 105 milhões foram entregues para o Setor de Operações Estruturadas - a máquina de pagar propinas estruturada por Marcelo Bahia Odebrecht, preso desde junho de 2015 - para que a empreiteira entregasse dinheiro de corrupção e caixa 2 a políticos e agentes públicos.

O caso será investigado pela força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba, para onde será enviado o material da delação da Odebrecht sobre sua relação ilícita com o Grupo Petrópolis.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, acolheu argumento da PGR de que a competência para o caso é o juiz federal Sérgio Moro - origem do escândalo Petrobrás.

Na investigação serão apurados ainda as doações eleitorais cruzadas entre Odebrecht e Petrópolis, nas disputas de 2008, 2010, 2012 e 2014 - que teriam totalizado R$ 120 milhões.

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COM A PALAVRA, O GRUPO PETRÓPOLIS

O Grupo Petrópolis divulgou uma nota, por meio de sua assessoria de imprensa, em que nega relação com a conta da Legacy International. A empresa afirma que toda relação com a Odebrecht foi profissional e as transações financeiras declaradas.

"As relações do Grupo Petrópolis com a Odebrecht sempre foram profissionais, inclusive por conta da construção de suas fábricas. Todas as transações financeiras estãodeclaradas. A empresa não tem qualquer vínculo com a referida conta."

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