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Carf: Uma necessária e equilibrada análise dos fatos

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Por Redação
Atualização:

*Por João Marcos Colussi

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Com a deflagração da denominada Operação Zelotes muitas foram as manifestações de ataque explícitas ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), em especial acerca de este ser um órgão de revisão dos lançamentos fiscais em que havia a participação paritária de julgadores indicados pela sociedade civil e pela Fazenda Nacional.

Talvez aos leigos, ou aos profissionais do direito com pouca familiaridade com os tribunais administrativos, possa parecer estranha a participação de julgadores eleitos em face de seus notórios conhecimentos técnicos, ilibada reputação acadêmica e pessoal, e que não pertençam aos quadros da Administração Pública.

Contudo, há que se destacar que a participação destes julgadores é uma realidade que se repetiu, no passado, em outros países, como, por exemplo, na Alemanha, cujo tribunal de revisão de lançamentos tributários, enquanto tribunal administrativo tinha composição paritária, formado por membros de carreira e por membros cuja origem não era a Administração Pública. Com a transformação implementada no sistema alemão, que transformou os tribunais administrativos em órgãos jurisdicionais financeiros, estes passaram a ser compostos por Juízes togados.

Vale lembrar, ainda, a existência no Brasil de diversos órgãos reguladores com poderes de fiscalização e aplicação de gravosas punições, cujo comando cabe a profissionais colhidos junto à iniciativa privada, longe dos quadros da Administração Pública. Nesta seara, podemos citar, dentre alguns de elevada reputação, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que a despeito de serem presididos por profissionais não ligados à Administração Pública, sempre contribuíram, exemplarmente, para a ordem jurídica nacional.

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Abordando ainda a questão da participação de julgadores oriundos da iniciativa privada, há que se destacar que o próprio Poder Judiciário é composto por parcela de magistrados eleitos e não concursados, indicados para a composição de diversos Tribunais Estaduais e Federais de nosso País. Inclusive, até na última instância, Ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) são escolhidos, não raras vezes, entre juristas de renome pertencentes à iniciativa privada, por indicação da Presidência da República. Portanto, a atmosfera de mistério imputada ao CARF, em face de sua composição paritária, não tem origem em fatos, mas sim, em uma impressão que toma como ponto de partida uma investigação que identificou o que há de pior em qualquer instituição e, destaque-se, apontando como envolvidos, nos termos amplamente divulgados, vários servidores e ex-servidores públicos.

Se confirmadas pelo Ministério Publico as informações veiculadas na imprensa, no sentido de que o foco da corrupção se concentra em servidores e ex-servidores públicos, seus parentes e empresas de consultoria direta ou indiretamente por eles controladas, temos um importante indício no sentido de que a paridade na composição das turmas de julgamento não é questão central. Além disso, nessa mesma linha de raciocínio, as alterações implementadas no regimento interno do CARF, direcionadas aos julgadores indicados pelos contribuintes, pouco ou nenhum benefício trarão para a erradicação da corrupção objeto das investigações.

De fato, as acusações apontadas pela investigação da Polícia Federal e pelo Ministério Publico Federal são gravíssimas e deverão, após regularmente denunciadas por este último, ser apreciadas pelo Poder Judiciário.

Importante também desmistificar, por não coincidir com os fatos, a afirmação reiteradamente repetida, de que apenas ao contribuinte é garantido o acesso ao Poder Judiciário, carecendo a União deste direito.

De fato, à União é garantido o acesso ao Poder Judiciário para questionar uma decisão definitiva prolatada pelo CARF nas hipóteses em que, comprovada a existência de fraude, corrupção ou falha no procedimento de julgamento, tenha ocorrido prejuízo à União.

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Situação outra seria a hipótese em que a União pretendesse questionar o mérito do lançamento objeto de decisão definitiva prolatada pelo CARF em favor do contribuinte. Nesta hipótese, de fato, a jurisprudência e a doutrina são unânimes no sentido de entender que a União não tem o direito de se socorrer do Poder Judiciário com o objetivo de anular uma decisão que foi prolatada por seu próprio tribunal administrativo (CARF) e que entendeu que a exigência do tributo não era devida.

Por fim, com o intuito de contribuir para a discussão do tema e esclarecer os fatos, como instrumento para o atingimento de um objetivo maior buscado por toda a sociedade, há que se dar especial destaque ao fato de que o CARF é apenas uma etapa final, consequência da complexidade de nosso sistema tributário, que muito cobra do contribuinte e pouco devolve à sociedade, sistema este que tem como etapa inicial o próprio exercício da competência da União de instituir e exigir tributos, ponto este que merece, certamente, maior atenção de nossas autoridades. * João Marcos Colussi é sócio do Escritório Mattos Filho e atua na área tributária com foco em questões fiscais complexas perante os tribunais administrativos e judiciais. Graduado em Direito pela universidade Presbiteriana Mackenzie, possui especialização em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getulio Vargas.

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