Assim deveria ser no Brasil - país dito constitucionalista. Contudo, não é o que acontece na realidade brasileira. O atual retrocesso político que experimentamos decorre justamente da falta de controle e limites do poder político, cujos efeitos são evidentes sobre as nossas liberdades e direito ao desenvolvimento. O homem racional desconfia de todos os detentores do poder hoje no país. E com toda a razão. O fim mais nobre da sociedade é alcançar um estado que permita o máximo desenvolvimento da personalidade de cada um de seus membros - o que acontece quando as instituições são destinadas a controlar e limitar o poder político.
A união do princípio da separação de poderes com os fundamentos da liberdade individual é obra genuína de Montesquieu, tomada, por sua vez, de Locke. Somente quando diversos detentores do poder são independentes entre si e se controlam, respectivamente, os destinatários estarão protegidos do abuso do poder por parte de alguns de seus detentores.
Como se viu no Brasil esta semana, nos confrontos entre os poderes judiciário e legislativo, com a intervenção do executivo, o poder político não está restringido nem limitado. Pelo contrário: o poder se excede. O conceito de "poder" em curso no Brasil é um acontecer político sem nenhuma qualificação ética e moral. É um poder incontrolado, mau, por sua própria natureza. Um poder que encerra em si mesmo a semente da sua própria degeneração.
O poder sem controle adquire um caráter moral negativo, demoníaco e patológico do processo do poder. Razão pela qual Aristóteles, quando examinou as formas "puras" e "degeneradas" de governo, afirmou que as primeiras estão destinadas a servir ao bem comum dos destinatários do poder; enquanto as segundas, ao egoísta interesse dos detentores do poder.
No Brasil, as formas degeneradas já atingiram todos os poderes, até mesmo seu último baluarte, quando o STF abriu mão da sua independência, rendeu-se ao poder legislativo, abdicou de suas prerrogativas e virou, definitivamente, as costas para a Nação.
O povo brasileiro está irremediavelmente só. Não há estado constitucional sem separação de poderes.
*Maristela Basso é advogada e professora de Direito da USP