Em mais uma dura reação às polêmicas alterações que desfiguraram o pacote de 10 Medidas de Combate à Corrupção na Câmara dos Deputados, o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) João Ricardo Costa afirmou em nota divulgada nesta tarde que a categoria "não se intimidará" e faz um apelo para a população cobrar dos senadores mudanças no projeto.
A fala faz coro com a leva de críticas de procuradores, promotores e juízes de todo o País diante da emenda aprovada nesta madrugada que prevê a possibilidade de se enquadrar representantes destas categorias por abuso de autoridade.
Pela emenda aprovada, os membros do Ministério Público podem responder pelo crime de abusose, entre outros motivos, promoverem a "instauração de procedimento sem que existam indícios mínimos de prática de algum delito". Além da "sanção penal", o procurador ou promotor poderia estar "sujeito a indenizar o denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado".
Já os magistrados podem ser enquadrados em pelo menos oito situações, entre elas, se "expressar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento". A pena prevista é de seis meses a dois anos de prisão e multa.
Para o presidente da AMB, o pacote aprovado foi um "conjunto de atentados" à democracia brasileira e à independência do Judiciário e do Ministério Público que foi utilizado como um "plano B" diante do anúncio do presidente Michel Temer (PMDB) em conjunto com os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de que a anistia ao caixa 2 não seria aprovada.
"O projeto aprovado favorece a corrupção e submete a magistratura e o MP ao poder político, transformando em acusados aqueles que lutam contra a corrupção permitindo que sejam julgados por investigados", afirma João Ricardo Costa no texto, lembrando que, "a cada decisão" o juiz poderia ser criminalizado pelas partes envolvidas no processo que discordarem.
"Como juízes poderão ficar reféns de advogados que atuam na defesa de investigados por corrupção?", indaga o presidente da entidade de classe.
Apresentada ao Congresso como um projeto de lei de iniciativa popular, a proposta das 10 Medidas de Combate à Corrupção surgiu por meio de uma campanha do Ministério Público Federal que coletou mais de 2 milhões de assinaturas.
A NOTA DE REAÇÃO DOS MAGISTRADOS:
"Magistratura brasileira reage à proposta que desconfigura projeto anticorrupção
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) manifesta repúdio à aprovação das medidas que alteram o pacote anticorrupção e considera grave a votação que referendou a versão desconfigurada de um projeto que não atende aos interesses da sociedade.
O que aconteceu na madrugada de hoje (30) torna o Judiciário e o Ministério Público reféns daqueles que tentam enfraquecer a atuação dessas carreiras, atingindo de uma forma irreversível essas instituições, o que trará impactos graves para o futuro da nação.
O que restou da iniciativa popular que contou com a assinatura de mais de 2 milhões de brasileiros e que trazia propostas legítimas e de grande impacto no combate à corrupção foi um conjunto de atentados à democracia, à independência do Poder Judiciário e ao Ministério Público.
O texto aprovado na Câmara dos Deputados destrói o pilar de sustentação do Estado Democrático de Direito, de um sistema de Justiça autônomo e retrocede a capacidade de atuação de juízes e promotores em processos e investigações contra o crime organizado. O projeto aprovado favorece a corrupção e submete a magistratura e o MP ao poder político, transformando em acusados aqueles que lutam contra a corrupção permitindo que sejam julgados por investigados.
A cada decisão, a cada movimento de um processo de corrupção seria possível criminalizar o juiz pelo simples ato de estar cumprindo o seu papel constitucional. Quantos interesses juízes e promotores não estariam ferindo? Quantos não tentariam de alguma forma puni-los?
Como juízes poderão ficar reféns de advogados que atuam na defesa de investigados por corrupção? É o que possibilita a emenda que criminaliza a violação de prerrogativas de advogados.
Se essa combinação de ações por parte de alguns parlamentares não for uma maneira de retaliar e reduzir o Poder Judiciário, o que poderia ser? Atender a demanda da sociedade - que é combater a corrupção - ou tentar se livrar das investigações que estão em curso?
A frustração da manobra que pretendia anistiar o caixa 2 colocou em curso o "plano B", que é criminalizar juízes e promotores. É inadmissível, em um universo em que a proteção aos juízes é fundamental, tornar vulnerável a magistratura brasileira logo quando lidamos com processos em que estão em jogo altos interesses, como é o caso da Operação Lava Jato.
Essa medida não pode prevalecer, por isso a magistratura não se intimidará e convoca os cidadãos, para que toda a sociedade esteja junto e possa reagir a um dos maiores retrocessos já vistos. É hora da cidadania se expressar e levar a sua voz aos senadores exigindo o respeito às instituições democráticas das quais o Brasil depende para prosperar.
João Ricardo Costa Presidente da AMB"