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Aspectos jurídicos do julgamento de Lula

Estamos à beira do julgamento de um ex-presidente da República por um tribunal que pode manter a sua condenação, tornando-o inelegível. Diante de tantas informações desencontradas apresentadas principalmente nas redes sociais, é interessante uma análise jurídica sobre o fato, deixando qualquer conteúdo ideológico de lado.

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Por João Paulo Oliveira
Atualização:

A Constituição Federal traz dentre os direitos fundamentais os chamados direitos políticos. Estes podem ser conceituados como instrumentos necessários para que o cidadão participe das decisões estatais de forma indireta (através da escolha de representantes) ou de forma direta (através de plebiscitos, referendos e iniciativa popular). Isso tudo porque incide em nosso Ordenamento o Princípio da Soberania Popular, pois todo poder emana do povo.

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O chamado sufrágio universal permite que a democracia seja concretizada a partir da efetiva participação popular no processo eleitoral, seja votando (capacidade eleitoral ativa) ou sendo votado (capacidade eleitoral passiva). A Constituição se preocupa que esse processo eleitoral seja hígido e, por isso, estabelece uma série de condições para aqueles que pretendem se candidatar. Esses requisitos são denominados de condições de elegibilidade e se encontram estabelecidos tanto na Constituição Federal quanto em lei ordinária.

Mas, para aqueles que queiram se aventurar nas urnas, além das condições de elegibilidade, é necessário que o cidadão não ostente qualquer das causas de inelegibilidade. Essa já pode ser conceituada como conjunto de causas que impedem que determinado cidadão se candidate e que estão previstas na Constituição e em Lei Complementar. A lógica das causas de inelegibilidade é afastar do processo eleitoral aqueles que não tenham os requisitos morais para tanto.

É nesse contexto que o país aguarda o julgamento de um ex-presidente da República que, segundo noticiam os principais meios de comunicação, lidera as pesquisas de intenção de voto para as eleições presidenciais em um eleitorado já extremamente dividido.

O ex-presidente acabou condenado em primeira instância por corrupção e lavagem de dinheiro a uma pena superior a 9 anos. A Lei das Inelegibilidades, com as alterações trazidas pela Lei da Ficha Limpa, estabelece que os condenados por crimes contra a Administração Pública, dentre outros, a partir de decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, estará inelegível até 8 anos após o cumprimento da pena.

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A inelegibilidade não proíbe todos os direitos políticos, mas apenas o de ser votado, mantendo o inelegível o direito de ocupar cargos públicos (desde que não eletivos), bem como o de votar. No caso do ex-presidente, em uma análise técnica, evitando assim qualquer posicionamento ideológico, uma condenação pelos crimes de que é acusado, perante o Tribunal Regional Federal da Quarta Região, fará com que a inelegibilidade seja aplicada imediatamente.

Isso significa que o ex-presidente não poderia mais concorrer às eleições desse ano, bem como em muitas outras adiante. Mas isso não quer dizer que tudo se resolverá ainda na quarta feira, dia 24 de janeiro de 2018. Havendo condenação ou absolvição, ainda se terá outras instâncias a serem questionadas. E mais a própria lei de inelegibilidades permite que o órgão competente para julgar o recurso conceda efeito suspensivo à decisão o que faria com que a inelegibilidade fosse afastada.

Esse efeito, no entanto, não é automático. Assim, havendo uma condenação, seria possível que a defesa do ex-presidente, ao recorrer, requeira o efeito suspensivo ao órgão competente para julgar o recurso. Caso o Tribunal (STJ e STF possuem tais condições, pois são competentes para julgar os recursos a serem interpostos) decida por conceder o citado efeito, apesar de condenado, o cidadão poderia concorrer normalmente.

Há ainda outro ponto a ser considerado que é a possibilidade do pedido de registro de candidatura ser feito perante o TSE ainda que o ex-presidente esteja inelegível. Atualmente, a legislação estabelece que o pedido de registro deve ser feito até o dia 15 de agosto do ano das eleições. Uma vez feito o pedido, compete à Justiça Eleitoral sua análise.

Enquanto não ocorrer tal análise, o cidadão, ainda que inelegível, poderá praticar todos os atos de campanha, incluindo receber e gastar valores e fazer propaganda eleitoral no rádio e na TV. Havendo o indeferimento do pedido ainda se pode tentar alguma procedimento perante o STF, buscando reverter essa situação. Uma coisa é certa, enquanto não houver um posicionamento final do Judiciário, o inelegível continuará participando da campanha.

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É certo, no entanto, que se ao final não se conseguir o registro da candidatura, o que só será possível se houver um afastamento da inelegibilidade, os votos concedidos ao candidato sub judice serão anulados e, caso tenha sido ele o vencedor do pleito presidencial, a anulação atingirá toda eleição, devendo essa ser renovada na data estabelecida pela Justiça Eleitoral. Enquanto isso, um desastre político, pois não haveria presidente eleito e o país seria governado pelo presidente da câmara dos deputados, trazendo, por certo, grande instabilidade política.

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Isso é o que de fato, no campo jurídico, pode ocorrer. Pensar diferente disso é escapar na área jurídica e ingressar na política ideológica, que deve ser utilizada como discurso ainda durante muito tempo.

Com se vê, os desdobramentos jurídicos irão muito além do julgamento de quarta feira. Já os políticos ainda devem se desenvolver por muito tempo, pois é muito difícil que, caso se confirme a inelegibilidade, o ex-presidente, tendo em vista a sua idade, consiga novamente concorrer a algum mandato eletivo.

De qualquer maneira, espera-se um país extremamente dividido e com posicionamentos ideológicos opostos sobre um julgamento que é apenas jurídico. Oxalá, nas próximas eleições haja paz, consciência e respeito mútuo entre todos os cidadãos.

*João Paulo Oliveira, advogado e professor de Direito Eleitoral do CERS.

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