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Advocacia criminal técnica e combativa

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Por Mauricio Stegemann Dieter e Christiano Fragoso
Atualização:
Mauricio Stegemann Dieter e Christiano Fragoso. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A tradicional figura do criminalista tem sido cercada de ceticismo. Alguns chegam a denunciá-la como anacrônica. O estereótipo do homem de convicções firmes, retórica afiada e postura desafiadora parece ter sido ultrapassado por profissionais que, com maior ou menor reserva, estão mais dispostos a negociar com o Ministério Público no pregão das liberdades do que enfrentar a acusação.

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A verdade é que a heroica imagem do inconformado rábula da beca surrada nunca esteve tão distante das novas gerações. No horizonte artificial da arte consensual, o especialista em delação merece maior projeção. Não se trata de um choque geracional, mas de valores. A cumplicidade com a autoridade pública, por exemplo, é tão necessária para este quanto impensável para aquele. Não é um sinal dos tempos. É um sintoma ético.

O descrédito em relação ao velho criminalista, em especial, é resultado da fragilização da advocacia, em geral. Um declínio que deve muito à vulgarização dos cursos jurídicos, promovida pela explosão de instituições privadas a partir dos anos 90. Face ao excesso de contingente, as faculdades que formavam advogados e só eventualmente burocratas, agora produzem concurseiros em série. Dedicar-se à defesa privada não parece mais ser uma escolha, mas falta de opção diante da disparidade remuneratória e do exército de mão-de-obra à disposição.

Abandonar certas tradições, por óbvio, nem sempre é uma má ideia. Em especial tratando-se de uma classe elitizada, branca e masculina. Mais do que recomendável, a oxigenação é inevitável - e bem-vinda.

Em outro sentido, resistir diante das novas estratégias de criminalização é uma reação intelectualmente honesta e moralmente digna, conduzida pelos poucos que não desistiram dos princípios liberais mesmo diante do domínio da razão cínica e conformista. Afinal, as regras do jogo mudaram, pela letra da lei ou sua manipulação oportunista. A moda agora é cooperar. O juiz colabora com o promotor, que facilita para a polícia. Se combinar com a defesa, melhor ainda. Os direitos do réu se curvam ao apelo eficientista.

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Mesmo assim, perseveram os que rejeitam a nova ordem, porque não querem ou sabem agir de outro modo. Insistem, contra a lógica do tempo presente, em afirmar direitos, disputar o processo, batalhar o mérito e defender teses jurídicas, lançadas desde tribunas convertidas em trincheiras. São românticos, em boa medida. Mas, se por um lado os que vendem facilidade atraem a simpatia dos agentes públicos, os que não tergiversam são melhores destinatários de seu respeito. E a história, matrona rigorosa, dirá no futuro qual lado fez a opção correta.

Hoje em posição minoritária, os que insistem na boa e velha advocacia não precisam ter receio da falta de mercado. Os inocentes, afinal, também precisam de advogado, e o sistema de justiça criminal é pródigo em cometer injustiças.

Acreditamos que essa luta merece nosso apoio. Não se trata de mero inconformismo, mas de todo o inconformismo que dispomos. Nem que seja para apresentar às novas gerações uma outra e mais bonita visão da advocacia criminal, esse é um esforço que vale a pena.

O objetivo de enaltecer ética, técnica e combatividade como valores centrais se cristalizou na "Jornada da Advocacia Criminal Brasileira - A prática penal à sombra do punitivismo", que estamos coordenando na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, desde 2 de abril, todas as segundas-feiras, até 18 de junho.

A iniciativa acadêmica vem acompanhada de uma forte declaração política, que contrasta as convicções forjadas pela advocacia criminal nos anos de chumbo com certas e menos elogiosas práticas contemporâneas. Com a participação de vários dos melhores criminalistas do país, pretendemos discutir o futuro da profissão à luz das lições do passado, para que os juristas em formação não desperdicem a experiência dos protagonistas das melhores páginas da advocacia nacional e somem esforços na defesa intransigente da cidadania.

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*Mauricio Stegemann Dieter, professor de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e advogado

*Christiano Fragoso, advogado e professor de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)

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