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A polêmica sobre o sigilo de dados digitais

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Por Luciana Goulart Penteado e Luís Felipe Richter Ferrari
Atualização:
 Foto: Barry Huang/Reuters

Se há pouco tempo a Internet poderia ser considerada um território alheio à qualquer legislação, o Marco Civil da Internet, que vigora no país desde abril de 2014, tratou de dispor e regulamentar as questões atinentes aos assuntos digitais.

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Dentre todos os temas abordados pela Lei nº 12.965/2014, o legislador criou uma seção para tratar especialmente sobre a proteção a registros, dados pessoais e comunicações privadas dos internautas quando do uso da rede mundial de computadores.

O Marco Civil da Internet, em consonância com o que dispõe a Constituição Federal, determinou expressamente que, aos cidadãos - nesse caso, usuários de Internet - é assegurado o direito à inviolabilidade de sua intimidade, de sua vida privada e de seus dados de comunicação, visando à preservação da honra e da imagem das partes envolvidas, salvo ordem judicial em sentido contrário.

Visando a ampliar o entendimento sobre o assunto, foi publicado no Diário Oficial da União, o Decreto nº 8.771/2016, que busca regulamentar, de maneira mais específica, os procedimentos para a proteção de dados de usuários e a transparência quanto à sua obtenção pelas autoridades públicas, inclusive trazendo a definição expressa dessas informações: "aquelas relacionados à pessoa natural identificada ou identificável, inclusive números identificativos, dados locacionais ou identificadores eletrônicos, quando estes estiverem relacionados a uma pessoa".

Esse comando normativo, dentre outras providências, trouxe novos parâmetros de segurança para os dados digitais sigilosos, por exemplo, a delimitação das pessoas autorizadas a acessarem tais dados, a previsão de mecanismos para registrar o acesso ao conteúdo, ou mesmo a criação de um histórico de todos os acessos a determinado registro ou aplicação de Internet, contendo dados do momento, duração da busca e identidade daquele responsável pela consulta.

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Além disso, restou determinado que as empresas atuantes no ramo digital deveriam buscar soluções para gerirem os dados de maneira a garantirem sua inviolabilidade, como técnicas de encriptação, já utilizadas pela maioria dos mensageiros instantâneos mundiais.

Toda essa busca por uma maior segurança ao direito constitucionalmente garantido à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, deixa uma lacuna na lei para que haja dúvida: em que momento o direito de um terceiro se sobrepõe às garantias supramencionadas, restando uma disputa entre o cumprimento efetivo da lei e a privacidade dos usuários?

Em uma investigação criminal, ou em casos em que a vida de uma pessoa se mostra em perigo, o Poder Judiciário tem entendido como necessária a quebra dos sigilos de comunicações de usuários de aplicativos de Internet utilizados para troca de mensagens. Foi exatamente tal entendimento que, em 02.05.2016, tirou do ar um dos maiores aplicativos utilizado no Brasil para troca de mensagens por meio da Internet.

O Juiz da Vara Criminal de Lagarto/SE, determinou judicialmente que as operadoras de telefonia móvel do País bloqueassem o acesso dos brasileiros ao aplicativo, tudo em razão da negativa da empresa, controladora do aplicativo, em fornecer dados de usuários para colaborar com uma investigação criminal em curso.

Decisões relacionadas a esse tema ainda deverão ser alvo de muitas críticas e discussões doutrinárias e ideológicas, pois, mesmo em países com regulamentações mais antigas e aprimoradas em comparação à legislação brasileira, o assunto ainda gera muita polêmica.

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É o caso da recente disputa entre a Polícia Federal dos Estados Unidos e uma das maiores empresas de tecnologia do mundo, na qual o FBI recorreu à justiça americana para que esta fornecesse dados do aparelho celular de um homem que matou 14 pessoas e feriu outras 22 em um tiroteio em San Bernardino, Califórnia.

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Em contrapartida, a empresa alegou não ser possível desbloquear um aparelho sem a senha criada e registrada pelo próprio usuário e que, elaborar um mecanismo para coleta de dados com o aparelho bloqueado, ou seja, sem a autorização do usuário, seria criar um precedente que colocaria em risco a intimidade de seus clientes e de habitantes de países cujos governos não respeitam os direitos humanos.

Resta latente que as recentes regulamentações instituídas pelo legislador brasileiro visam a dirimir os atritos criados entre o judiciário pátrio e as empresas do ramo de tecnologia, delimitando cada vez mais a atuação e a responsabilidade de tais empresas sobre o assunto de dados de Internet.

O tema é bastante sensível e deve haver uma ponderação entre os valores constitucionalmente garantidos e eventuais determinações judiciais visando à garantia da ordem social. Esta reflexão não merece ser feita longe do crivo do Poder Judiciário.

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A advogada Luciana Goulart Penteado. Foto: Divulgação

* Luciana Goulart Penteado e Luís Felipe Richter Ferrari, advogados da área de Contencioso do Demarest Advogados

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