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A perícia criminal em tempos de delação premiada

Por Marcos de Almeida Camargo
Atualização:
 Foto: Reprodução/Sindicato dos Delegados da Polícia Federal

A revelação dos dados do sistema Drousys - sistema paralelo utilizado pelo departamento financeiro da Odebrecht para o controle do pagamento de propina -, indicando que parte da aquisição do terreno destinado à instalação do Instituto Lula teria sido viabilizada com recursos de caixa 2, novamente movimentou a mídia e trouxe consigo uma série de questionamentos e reflexões relativas à inserção do conhecimento científico no processo penal.

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Assim como ocorrido no episódio das gravações entre o empresário Joesley Batista e o presidente Michel Temer, o encaminhamento e a divulgação desses dados deram-se de forma a abdicar da imprescindível atuação da Perícia Oficial da União, cujos laudos, produzidos com o rigor científico de uma estrutura legalmente instituída para a execução de perícia criminal com autonomia técnica, científica e funcional, têm sido responsáveis por toda a sustentação técnico-científica da Operação Lava-Jato.

No caso em tela, referente "à aquisição do terreno do Instituto Lula com recursos de caixa 2", cabe destacar que as informações encaminhadas diretamente ao juízo deveriam ter passado por pelo menos 2 perícias oficiais: a primeira de informática, a fim de garantir a integralidade da prova, ao identificar ou descartar eventuais indícios de manipulação; e, posteriormente, a perícia financeira, visando a confirmar ou afastar o alegado.

O Ministério Público Federal, ao dispensar os trabalhos da Perícia Oficial da União, assume, no caso, o elevado risco de que os elementos ora apresentados não se sustentem como prova material no decorrer do processo, a exemplo de algumas decisões fundamentadas exclusivamente em delações premiadas e que vêm sendo reformadas em segunda instância.

Se por um lado é de se reconhecer o importante avanço na justiça criminal promovido pelo instituto da delação premiada, por outro, é fator de grande preocupação a eventual priorização desse expediente em detrimento da análise técnico-científica pelos legais detentores da prerrogativa de exercer a função de perícia criminal no âmbito da Polícia Judiciária.

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Com efeito, zelar pela produção isenta e imparcial de provas materiais, com adequado, e necessário, distanciamento da acusação e da defesa, é mandamento essencial e indispensável ao processo penal, consolidado pelo artigo 158.

Delação premiada e perícia criminal são, portanto, atos complementares e não concorrentes dentro do processo de investigação e de produção de provas materiais justas e eficazes à disposição da Justiça.

Em outras palavras, a delação deve ser, ao mesmo tempo em que complementar às provas existentes, assim também sujeita à complementação por exames científicos que atestem os fatos narrados e que identifiquem novos elementos probatórios eventualmente omitidos no processo de delação.

O exemplo mais atual da irrefragável indissociabilidade entre a delação premiada e a prova material ocorreu no caso da recente divergência, dentro do próprio Ministério Público Federal, em relação ao pedido de anulação do acordo de delação do ex-senador Delcídio do Amaral, e a consequente solicitação de absolvição do ex-presidente Lula.

Tal medida contrapôs-se à denúncia e ao pedido de condenação do ex-presidente, apresentados pelo Procurador Geral da República há cerca de 1 ano.

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A despeito de tal fato refletir a necessária e imprescindível independência funcional dos membros do Ministério Público Federal, também revela os problemas em se permitir a homologação de delações premiadas sem as devidas análises periciais na produção das provas materiais, possibilitando que condenações e/ou absolvições sejam baseadas apenas em convicções e não em verdades científicas, essenciais à manutenção do estado democrático de direito e à segurança jurídica das instituições e dos próprios cidadãos.

*Marcos de Almeida Camargo, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF)

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