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Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

A pele de cordeiro da PEC 412 esconde uma grave ameaça ao país

Houve uma época na história da humanidade, em que foi criada uma polícia política cuja função era de investigar "todas as tendências perigosas para o Estado". Respaldadas em lei, essa força policial praticava abusos para controlar a sociedade, intimidar e encarcerar opositores ao regime. Formada por oficiais de polícia de carreira e bacharéis em Direito, tinha plena autoridade para investigar casos de traição, espionagem e sabotagem. A lei chegou a ser modificada, a fim de que as ações dessa polícia não pudessem ser submetidas à revisão judicial. A organização foi também excluída de julgamento pelas cortes administrativas, ante as quais os cidadãos poderiam demandar o Estado para que cumprisse as leis. Estamos falando da Gestapo.

Por Luís Antônio Boudens
Atualização:

Mas poderíamos também estar nos referindo à Polícia Federal, pelo menos à PF que os delegados federais pensam para o Brasil. Uma leitura atenta da Proposta de Emenda Constitucional 412/2009, que está agora sob holofote em audiências públicas na Câmara dos Deputados, carrega princípios que têm raízes numa polícia de regimes políticos que pensávamos ter superado. O mérito do projeto é ser despretensioso, por não reinventar a roda, pois seus valores foram inspirados na famosa polícia política da Alemanha nazista.

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O paralelismo pode parecer dramático, mas não é. O Brasil está sendo açodado por forças criminosas que deformam as leis em benefício próprio e com interesse corporativo. A mutilação do projeto das dez medidas de combate à corrupção é exemplo disso. A PEC 412 também coloca em perigo certas garantias constitucionais. Longe da retórica, essa ameaça encontra-se nos seguintes fundamentos.

Dotar de autonomia funcional um órgão armado, separado dos Poderes, é conceder prerrogativas ilimitadas independente do governo federal - chefiado por um presidente escolhido pela vontade popular -, a que está vinculado, sem influências externas no exercício de sua atividade-fim, podendo adotar as medidas legais perante agentes, órgãos ou instituições sempre que necessário. É justamente essa independência, longe do alcance de órgãos de controle, de que dispunha a Gestapo, que assim como querem os delegados, era composta por bacharéis de Direito.

Uma PF com esse nível de autonomia é promovê-la a um poder paralelo e armado, cujas ações não poderão ser questionadas por outras instâncias ou instituições. Em outras palavras, abusos e perseguições estarão fora do alcance do julgamento e penalidades por parte do Ministério da Justiça, Ministério Público e do Judiciário.

A PEC 412 retira a condição da PF de órgão permanente e estabelece que "lei complementar organizará a Polícia Federal e prescreverá normas para a sua autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de elaborar sua proposta orçamentária". Em outras palavras, a PF, sem a proteção constitucional de órgão permanente, poderá ser extinta. Sua estrutura orgânica e sua missão - de combate ao crime organizado, à lavagem de dinheiro, proteção das fronteiras etc. -, poderão desaparecer com a simples aprovação de um projeto de lei complementar.

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O conceito de que a segurança pública é função precípua do Estado, de que os órgãos policiais desenvolvem atividades conforme programas de governo e de que a PF é um órgão integrante da estrutura interna do Ministério da Justiça, estará por um fio. O país poderá perder a médio prazo uma polícia com vocação para o combate ao crime e a conviver com uma força policial que visará outros interesses.

Prevêm-se, ainda, outros efeitos colaterais decorrentes da proposta da PEC 412. A autonomia da PF abrirá precedente para que a Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal e outros órgãos policiais dos Estados ou quaisquer outros órgãos públicos possam também reivindicar as mesmas prerrogativas, esvaziando por completo a direção superior da Administração Pública. A título de exemplo, corre simultâneo no Congresso a PEC 202/2016 que visa a autonomia funcional, administrativa e financeira para as polícias civis dos Estados e do Distrito Federal e dispõe sobre a transformação do órgão em autarquia especial e na sequência propõe a autonomia.

A sociedade precisa abrir os olhos. O aparente discurso de que a PEC 412 tem interesse público cabe perfeitamente na expressão popular "lobo em pele de cordeiro". É, na verdade, propaganda dissimulada dos delegados federais, padrinhos desse projeto, segundo os quais a PF precisa ter autonomia investigativa. É uma falácia, porque o órgão já goza dessa autonomia. Basta ver os resultados da Operação Lava Jato.

Não por acaso, 90% dos policiais federais são contra os riscos embutidos nessa PEC. Ela interessa exclusivamente aos delegados federais que buscam também equiparação com os membros do Ministério Público e Magistrados e subsídios do Supremo Tribunal Federal.

É preciso proteger o país de tentativas disfarçadas de democráticas, mas que colocam em risco a própria democracia. Temos de aprender com a história para não cometermos os mesmos erros.

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Luís Antônio Boudens, presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais

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