Como agente que trabalhou por mais de vinte anos em investigações e no serviço de inteligência da Polícia Federal, saí da pré-estreia do filme, em Curitiba, mais frustrado do que quando entrei.
A permissão poética e a ficção retiraram a essência da Polícia Federal, ignorando aqueles que, de fato, descobriram a autoria e a materialidade de um dos maiores crimes de corrupção no País, dando lugar a uma mensagem corporativa.
A obra se desenrolou entre a distorção da realidade do dia a dia das investigações e os propósitos políticos, apesar da tentativa da direção do filme, e até dos personagens, em dizer o contrário.
O roteiro enaltece o trabalho da Polícia Federal e as virtudes inquestionáveis da Operação Lava Jato, mas infelizmente retrata cenas muito distantes do mundo real.
A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) acredita que o apoio dado pela direção-geral da Polícia Federal à produção da película foi retribuído com um exagerado "propagandismo" ao cargo de delegado, alijando peritos e agentes federais, por exemplo, de situações cruciais durante a operação.
Isso porque, no decorrer do filme, há cenas de delegados realizando prisões (como a fantasiosa cena de prisão do doleiro Alberto Youssef) e coletando provas em campo durante cumprimento de mandado de busca e apreensão (como no sítio de Paulo Roberto Costa).
A sociedade precisa entender que todo o processo investigativo (análise de informações, relatório de inteligência, relatórios de investigação, apreensão, condução e prisão) é realizado em conjunto e não exclusivamente por um cargo.
Os demais cargos da Polícia Federal (papiloscopistas, escrivães, peritos e agentes federais, além da carreira administrativa) estão na ponta do processo investigativo e jamais poderiam ter sido esquecidos ou relegados a uma penumbra ante sua importante atuação profissional, reforçando um estereótipo nada saudável para a segurança pública.
O formato apresentado no filme poderia ter servido, ao contrário, a propósitos de interesse público como o de provocar o debate sobre as dificuldades em se promover uma boa investigação no Brasil, menos burocrática, mais célere e eficaz, e livre de interferências políticas, internas e externas.
Uma mudança no habitual modelo (ultrapassado) de investigação, que foi solenemente substituído durante a Operação Lava Jato por uma estrutura dinâmica, mais moderna e que aproxima polícia e Ministério Público, poderia ser uma das conclusões lógicas que os expectadores chegariam.
*Presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef)
COM A PALAVRA, CARLOS EDUARDO SOBRAL, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DOS DELEGADOS DA PF
"O filme 'Policia Federal - A Lei é Para Todos', retratou o dia a dia do trabalho da Polícia Federal. A coordenação e as decisões das investigações cabem aos Delegados da Polícia Federal. Os Procuradores participam de alguns processos decisórios ao longo do trabalho.
Já a atuação do Juiz, na fase de investigação, é deferir ou não algumas medidas que dependem de autorização judicial, como é o caso de prisões e buscas.
Na fase da ação penal, após a denúncia, o protagonismo passa ao Juiz que conduzirá o processo até conclusão, com o julgamento em primeira instância. Com os recursos, a condução passa para as mãos dos Tribunais.
Todos são importantes para o resultado final da investigação e da ação penal, mas cada autoridade, agente e instituição tem o seu papel bem definido. Essa divisão de funções foi muito bem apresentada na obra.
O problema é que a FENAPEF insiste em reclamar de ofensa a uma realidade que somente existe em suas pretensões sindicais."
*Carlos Eduardo Sobral - Presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF)