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A Lava Jato 51 assombra o MDB de Temer

Propina de US$ 56 milhões paga pela Odebrecht pode ter abastecido campanha presidencial de 2010 de Dilma e Temer e seus aliados, suspeitam investigadores

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Foto do author Fausto Macedo
Foto do author Luiz Vassallo
Por Ricardo Brandt , Fausto Macedo e Luiz Vassallo
Atualização:

João Henriques, o homem do MDB na Petrobrás / Reprodução Foto: Estadão

A nova fase da Operação Lava Jato deflagrada ontem tem como alvo pagamento de US$ 56 milhões de propinas em um contrato da Odebrecht na Petrobrás, assinado em 2010, que envolve suposto esquema de corrupção de ex-executivos da estatal e de operadores financeiros ligados ao MDB. As descobertas podem levar a pagamentos ilícitos para a campanha presidencial de Dilma Rousseff e Michel Temer.

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Batizada de Operação Déjà Vu, a 51ª fase teve como alvo três ex-executivos da Petrobrás que trabalhavam na Diretoria Internacional, reduto do MDB no esquema de fatiamento político da estatal, Aluisio Telles Ferreira Filho, Ulisses Sobral Calile e Rodrigo Zambrotti Pinaud, e três operadores financeiros, Ângelo Tadeu Lauria, Mario Miranda e Sérgio Boccaletti - todos com prisão decretada pelo juiz federal Sérgio Moro - que teriam operacionalizado o recebimento dos cerca de R$ 200 milhões - em valores atuais - para políticos do partido e para os agentes públicos.

O negócio envolveu contrato de US$ 825,6 milhões que teria sido superfaturado e dirigido para a Odebrecht, após acerto de propinas para os executivos da estatal iniciado no final de 2009. O negócio era para prestação de serviços para a estatal no Brasil e em nove países nas áreas de segurança, meio ambiente e saúde, chamado de contrato de SMS. Por ele, a empreiteira teria que pagar US$ 24 milhões para os executivos da estatal, US$ 32 milhões para políticos do MDB e US$ 8 milhões para o PT).

Naquele ano, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixava o governo e elegeria sua sucessora Dilma Rousseff, que tinha como vice o atual presidente, Michel Temer. A Déjà Vu não investiga o presidente, mas operadores e diretores que podem ter abastecido o partido e suas campanhas naquele ano - o uso de doações oficiais para ocultar propinas e de compra de apoio político e partidário com dinheiro de corrupção, é alvo da Lava Jato nesses quatro anos de operação.

 

Acerto. Delações da Odebrecht, um processo encerrado no Rio e uma investigação aberta na Suíça sobre as contas do ex-gerentes da Petrobrás foram o ponto de partida da nova fase da Lava Jato. Segundo a força-tarefa, no final de 2009 a Odebrecht foi procurada pelo então gerente-geral da área de Internacional da estatal, Aluisio Telles, que ofereceu o contrato para a empresa.

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O procurador da República Roberson Pozzobon afirma que na ocasião foi prometida propina de 3% para os agentes públicos, valor equivalente a US$ 23 milhões efetivamente pagos em contas secretas na Suíça para o que era chamado de "Casa" - a propina dos agentes públicos. Pelo menos três ex-executivos, Telles, Calile e Pinaud, presos na 51.ª fase, tiveram as contas rastreadas. Eles receberam por intermédio de Mário Miranda - que tentou delação com a Lava Jato, mas não teve sucesso.

Segundo a Lava Jato, o contrato foi dirigido para a Odebrecht. Houve fornecimento de informações privilegiadas para a empreiteira, segundo os procuradores, pelos executivos da estatal ligados ao MDB, o que permitiu que empresa fizesse o projeto para a licitação antes que as demais concorrentes. Entre elas, as multinacionais Mitsui & Co. Ltd. E KBR Inc, além da Camargo Corrêa, OAS, Andrade Gutierrez e outras.

 

Políticos. A Lava Jato descobriu que a propina para a "Casa" era a parte menor da corrupção. Houve ajustes para o MDB e ao PT. O principal intermediário era o lobista João Augusto Rezende Henriques, velho conhecido dos investigadores, um ex-executivo da BR Distribuidora, ligado ao MDB, já preso pela Lava Jato. Seu nome foi cotado para assumir a Diretoria Internacional em 2008, pelo partido, mas foi vetado. Acabou indicado o nome de Jorge Zelada, que está preso por ordem de Moro e foi quem ordenou o contrato de SMS.

Ele aparece nas planilhas da propina da Odebrecht como Tremito e Mestre. A Lava Jato com ajuda da Suíça e os colaboradores da empreiteira identificaram todos os pagamentos feitos entre 2010 e 2012 a ele, via contas offhores.

O contrato de SMS da Petrobrás com a Odebrecht foi assinado em outubro de 2010, em plena eleição presidencial, no dia 26.

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"Coincidência ou não, esse contrato foi acelerado no início do ano de 2010, ou seja, nos meses que antecederam as grandes eleições", afirmou o procurador da Lava Jato.

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"E o contexto em que foram prometidas as vantagens (propina) ilícitas não só para agentes públicos com as agremiações políticas nos coloca uma dúvida, uma hipótese investigativa no sentido de que que: será que esse contrato esteve relacionado com um capitalismo de compadrio? Será que esse contrato esteve relacionado com a busca de recursos escusos para financiamento de campanhas, para manutenção de agentes públicos e políticos corruptos no poder? Essa é uma das hipóteses."

Outro operador da propina do MDB, segundo a Lava Jato, foi Ângelo Lauria, novo nome do partido a ser alvo da operação. Espécie de sócio de João Henriques, ele está relacionados também aos recebimentos de valores em espécie feitos no Brasil. E também aos recebimentos via o operador financeiro Rodrigo Tacla Duran - que atuava para a Odebrecht, como doleiro - via conta da GVetel.

 

Pelo PT, o operador indicado seria o ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto.

Nas ordens de prisão e buscas de ontem, o juiz Sérgio Moro afirmou que há "provas em cognição sumária" dos pagamentos de propinas a políticos do MDB e emissário do PT nesse contrato.

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Primeira operação deflagrada em Curitiba, depois da prisão de Lula, condenado a 12 anos e um mês no caso tríplex, a nova fase da Lava Jato reúne quebras de sigilos fiscal, telemáticos e bancários, delações premiadas de investigados e acordos de leniências das empresas, documentos de buscas das outras operações, investigações internas da Petrobrás e análises de e-mails e de visitações feitas pela estatal.

Um dos elementos de prova da investigação é a delação da Odebrecht. Um dos delatores, Rogério Araújo, foi o responsável pelo acerto da suposta propina. "João Augusto comunicou ao colaborador que haveria a necessidade de pagamento de propinas no montante de 5% do valor do contrato (US$ 40 milhões)", registra a delação do ex-executivo.

"4% (US$ 32 milhões) seriam destinados ao PMDB Nacional sob coordenação de Eduardo Cunha, e ao PMDB Bancada Mineira, sob a tutela de Felipe Diniz (filho do falecido deputado Fernando Diniz). 1% (8% milhões) seriam destinados ao PT."

O ex-presidente da Odebrecht Engenharia Industrial Márcio Faria da Silva disse em sua delação que acertou a propina no escritório político de Temer, em Alto de Pinheiros, em São Paulo, em 15 de julho daquele ano. Ele diz que se surpreendeu com a forma com que se tratou do pagamento de propina.

Ao chegar ao escritório de Temer, segundo ele, estavam no local o então candidato a vice, Henriques e os ex-deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).

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O objetivo do encontro, informou, era que ele "abençoasse" o compromisso de pagar ao partido. Temer, segundo descreveu, estava sentado à cabeceira da mesa. "Passadas as amenidades, o Eduardo Cunha tomou a palavra, explicou que o pessoal está no processo de contratação do 'PAC SMS' e tem o compromisso de, se realmente for adjudicado, assinar o contrato, fazer uma contribuição importante para o partido. Eu falei: 'Estou de acordo, vamos contribuir com que o deputado falou'.

"Simplesmente confirmei'", relatou o colaborador à PGR.

Apesar de não mirar alvos com foro privilegiado, as apurações podem levantar provas que embasem investigações da Procuradoria Geral da República (PGR) do esquema de corrupção do MDB - e também do PT.

No despacho, Moro registra: "Há provas, em cognição sumária, de que vantagens indevidas foram também pagas pela Odebrecht a agentes ou partidos políticos do PMDB e do PT, especificamente Eduardo Cosentino da Cunha, Henrique Eduardo Alves e João Vaccari Neto, com intermediação de João Augusto Rezende Henriques e Ângelo Tadeu Lauria".

COM A PALAVRA, O PRESIDENTE MICHEL TEMER

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À época da divulgação das delações da Odebrecht, o presidente Michel Temer afirmou que 'jamais tratou de valores' com Márcio Faria. "A narrativa divulgada hoje (quarta) não corresponde aos fatos e está baseada em uma mentira absoluta. Nunca aconteceu encontro em que estivesse presente o ex-presidente da Câmara, Henrique Alves, com tais participantes", disse o texto emitido pela Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência.

Segundo o Planalto, o que realmente ocorreu foi que, "em 2010, na cidade de São Paulo, Faria foi levado ao presidente pelo então deputado Eduardo Cunha". "A conversa, rápida e superficial, não versou sobre valores ou contratos na Petrobras. E isso já foi esclarecido anteriormente, quando da divulgação dessa suposta reunião", destaca a nota.

Temer contestou ainda de "forma categórica" qualquer envolvimento de seu nome em negócios escusos. "(o presidente) Nunca atuou em defesa de interesses particulares na Petrobrás, nem defendeu pagamento de valores indevidos a terceiros", diz o texto.

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