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A greve dos caminhoneiros e o desafio para os próximos governantes

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Por Marcus Vinicius Pessanha
Atualização:

A paralisação dos caminhoneiros, que em apenas 4 dias colocou todo país de joelhos diante de uma única categoria, traz uma reflexão que vai além do caos oriundo de uma grave crise de desabastecimento. A falta de gasolina nos postos de abastecimento, de insumos básicos nos hospitais e de produtos no comércio torna mais visível que o habitual a precariedade da rede de infraestrutura de transportes brasileira, que muito pouco, ou quase nada, evoluiu nas últimas décadas.

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A assertiva de nosso último presidente da República velha, Washington Luís, deposto em 1930, de que "governar é abrir estradas" escamoteia uma opção pelo de transporte rodoviário como o mais utilizado meio de transporte de cargas e de passageiros do país. Segundo dados do boletim estatístico da Confederação Nacional do Transporte (CNT) de janeiro de 2018, em análise comparativa da movimentação anual de cargas e passageiros nacional, o modal rodoviário é responsável por 61% da participação no mercado, o que representa 485.625 milhões do TKU (Tonelada por Kilômetro Útil). Por sua vez, o modal ferroviário contribui com 20,7 % e o aquaviário com apenas 13,6%.

Em um pais de dimensões continentais como o Brasil, isso significa, por exemplo, que nossa produção agrícola demora mais para ser escoada para os mercados interno e externo, do que a outros países que eventualmente tenham produção menor, mas que possuam uma malha ferroviária mais capilarizada e moderna, por conseguinte, com menor custo do TKU. O mesmo boletim da CNT indica, não por acaso, que a velocidade média operacional do modal ferroviário nos Estados Unidos é de 80 Km/h, e no Brasil de meros 22 Km/h. Temos apenas 3.043 locomotivas no país, mas 2.716.258 caminhões segundo os registros da CNT. Não é de espantar que os caminhoneiros tenham o poder de paralisar o país.

Uma breve análise de nosso litoral mostra que o desperdício de potencial de transporte de cargas e passageiros por via aquaviária é ainda mais acintoso. De nossos 44.635 Km de hidrovias navegáveis, apenas 22.037 Km são econômica e efetivamente navegados, o que demonstra em poucos dados que o potencial de expansão do transporte hidroviário é enorme.

Embora o modal rodoviário seja altamente recomendado para o transporte de mercadorias de alto valor agregado ou perecíveis, sua competividade é bastante reduzida para produtos agrícolas e a granel, uma vez que estes possuem baixo valor e seu custo final termina por ser onerado pela operação logística. A capacidade de tração de carga de caminhões, carretas e ônibus é menor do que a das ferrovias, por exemplo, e os veículos automotores movidos a diesel são altamente poluentes. Além disso, a malha rodoviária precisa de manutenção constante, onerando, assim, o Estado e o contribuinte, seja por meio da tributação, seja por meio de pedágios.

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Portanto, fica bastante claro que é preciso diversificar com urgência a matriz de transporte do país e investir de maneira estratégica em infraestrutura pesada como política de desenvolvimento econômico prioritário para o Estado. Esse desafio deverá ser encarado de frente pelos governantes nos próximos anos, sob pena de agravamento da situação de estagnação econômica do setor produtivo e da insegurança da população em razão da dominância de apenas um modal, cujos operadores terminam por concentrar em suas mãos parcela considerável de poder político e financeiro, podendo manter o Brasil exposto ao sabor de vontades passageiras e nem sempre republicanas.

*Marcus Vinicius Pessanha, sócio do escritório de advocacia Nelson Wilians e Advogados Associados. Especialista em Direito Administrativo, Regulação e Infraestrutura

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