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A definição do conceito de insumo para os PIS/COFINS no STJ

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Por Glaucia Lauletta Frascino e Ariane Costa Guimarães
Atualização:
Glaucia Lauletta Frascino e Ariane Costa Guimarães. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Logo após o advento das normas que trouxeram as regras aplicáveis à Contribuição ao PIS (PIS) e à Contribuição sobre o Faturamento (COFINS) não cumulativas - Leis nº 10.637/2002 e, posteriormente, Lei nº 10.833/2003 - a primeira grande discussão que surgiu dizia respeito ao termo 'insumo', veiculado no artigo 3º, inciso II, das normas, e que se referia ao crédito a ser apropriado por empresas industriais e prestadoras de serviços para o cálculo das contribuições.

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Especialmente porque não há na legislação vigente qualquer definição quanto ao conceito de insumo para efeito de PIS/COFINS.

É certo que, quando da edição da Medida Provisória nº 35/2003 - que antecedeu referidas normas -, estava claro que a instituição não cumulativa das contribuições visava corrigir distorções na tributação da receita, tal como a indução à verticalização das empresas em detrimento da efetiva distribuição da produção e da comercialização para um maior número de agentes econômicos.

O conceito de insumo, portanto, deveria estar em sintonia com este propósito, no sentido de se permitir o crédito em relação a todos os bens e serviços relevantes no desempenho das atividades econômicas no País.

A Receita Federal do Brasil (RFB), por sua vez, na redação original da primeira Instrução Normativa sobre o tema, (de nº 247/2002), explicitou o conceito de insumo, justamente porque se tratava de cláusula jurídica aberta, que dependia da funcionalidade do bem ou do serviço na atividade desempenhada pela empresa.

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No entanto, um ano depois, por intermédio da IN nº 358/2003, houve a inserção do § 5º ao artigo 66 da referida IN nº 247/2002 e, após, pela IN nº 404/2003, a RFB disciplinou uma possível interpretação do que seria insumo, ao restringir a sua amplitude e ao equipara-lo ao bem ou serviço utilizado ou consumido no processo produtivo e na prestação de serviço, embasando-se na concepção do que gera crédito para o IPI, definição esta claramente imprópria para aplicação em relação a tributos que incidem sobre a receita aferida, como os PIS/COFINS o são, bem como divorciada da própria razão de ser da instituição da não cumulatividade para estas contribuições.

Dessa dúvida de interpretação iniciou-se uma das mais relevantes discussões tributárias dos últimos anos: de um lado a RFB entendendo que os insumos passíveis da apropriação de créditos de PIS/COFINS seriam um rol bastante restrito de despesas; e do outro lado os contribuintes que, para tornar efetiva a não cumulatividade que lhes foi constitucionalmente garantida, apropriavam-se de créditos com despesas necessárias, relevantes e/ou essenciais, a depender do seu apetite em assumir riscos.

Dessas divergências decorreram - como ainda decorrerem - inúmeros autos de infração lavrados, tendo por objeto a glosa de tais créditos, assim como ações propostas por contribuintes, como é o caso daquela em que se deu a decisão datada em 22 de fevereiro último, por parte do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede de recurso repetitivo (REsp nº 1.221.170/PR).

Até que o referido julgamento fosse finalizado houve muita controvérsia no âmbito daquele Tribunal, tanto que a decisão se deu por maioria de votos e após a manifestação de 3 (teses) entendimentos distintos, como bem pontuou a ministra Regina Helena Costa em seu voto: (i) o entendimento pela legalidade das Instruções Normativas, equiparando os insumos (exclusivamente) aos bens e serviços que se consomem no processo produtivo e na prestação de serviço; (ii) o entendimento pela ilegalidade das Instruções Normativas, equiparando os insumos aos bens e serviços necessários ao exercício da atividade empresarial, cuja definição se aproximava da aplicável ao Imposto sobre a Renda, e, finalmente, (iv) o entendimento, no sentido de que insumos são os bens e serviços essenciais ou ao menos relevantes no desenvolvimento do objeto social do contribuinte.

A terceira posição foi classificada como intermediária, atraindo a alteração de votos de ministros, inclusive, sendo a que acabou prevalecendo no STJ, por contar com a concordância, ao final, de 5 entre 8 Ministros que votaram: O conceito de insumo deve ser aferido a luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer considerando-se a importância que determinado item, bem ou serviço para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte (trecho do voto da Ministra Regina Helena Costa).

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Embora o acordão, ainda não publicado, deva ser decisivo para nos trazer os detalhes de julgamento tão complexo, já é possível pressupor que há pelo menos duas questões que podem/devem gerar discussões futuras.

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Tanto o ministro Mauro Campbell como a ministra Regina Helena Costa mencionam a necessidade de se analisar casuisticamente se o que se pretende seja considerado insumo é essencial ou ao menos relevante para o processo produtivo ou atividade desenvolvida pela empresa. Tanto assim o é que, ao invés de a própria Corte indicar o que geraria, ou não, o crédito entre os bens e serviços indicados no caso concreto examinado, por orientação expressa da ministra Regina, e ratificado pela ministra Assusete Magalhães, o processo será devolvido ao TRF da 4ª Região, para que este efetue o cotejo entre eles (bens e serviços) e o objeto social da empresa demandante.

Fica claro, portanto, que o STJ se limitou a definir os critérios pelos quais determinada despesa será ou não considerada insumo, quais sejam, ser essencial ou pelo menos relevante na atividade produtiva desenvolvida, cabendo ao juiz e/ou à autoridade administrativa convalidar a classificação apontada e comprovada pelo contribuinte.

Assim, caberá a cada um dos contribuintes demonstrar o que, em cada um dos seus respectivos processos produtivos, prestações de serviço ou atividades em geral, se mostra essencial e relevante. Trata-se de matéria de fato, que certamente necessitará ser demonstrada caso a caso, em especial nas ações ordinárias preventivas, nos embargos à execução opostos ou em qualquer outra ação de iniciativa do contribuinte.

Outra questão que certamente gerará futuras discussões diz respeito ao direito à apropriação de créditos de insumos pelas empresas que realizam atividades comerciais, considerando que a norma só faz referência expressa às indústrias e às prestadoras de serviços.

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Nesse aspecto, acreditamos que será de fundamental importância o julgamento do feito com repercussão geral, em curso do Supremo Tribunal Federal (STF) - tema 756: alcance do art. 195, § 12, da Constituição federal, que prevê a aplicação do princípio da não-cumulatividade à Contribuição ao PIS e à COFINS.

Se a Suprema Corte concluir que a aplicação da não cumulatividade constitucional pressupõe a apropriação de créditos com os chamados insumos - já definidos como tal pelo STJ -, será forçosa a conclusão de que a apropriação dos mesmos deve se dar por todo e qualquer contribuinte, independentemente da atividade que desempenha, até mesmo porque a Constituição Federal não traz qualquer tipo de exceção ou discriminação entre os contribuintes sujeitos à não cumulatividade das contribuições.

Daí porque, se as empresas industriais e de serviços, após a decisão do último dia 22 de fevereiro, dependem de comprovação fática para celebrar vitória em relação a suas discussões pendentes, as empresas comerciais poderão ter de aguardar futura decisão a respeito da extensão da aplicabilidade do princípio da não cumulatividade em relação aos chamados PIS/COFINS.

Muitos anos se passaram até que os critérios para a definição de insumo fossem introduzidos pela Corte competente (STJ) para tanto e não há dúvida que a interpretação trazida se mostra razoável, consistente e justa. Resta saber se será (a definição) igualmente equânime e aplicável às empresas que comercializam bens, atribuição que ficará a cargo da mais alta Corte do País (STF).

Esperamos que, para tanto, não sejam necessários mais quinze anos até que a problemática em torno do direito à apropriação de créditos de PIS/COFINS esteja definitivamente resolvida.

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*Glaucia Lauletta Frascino e Ariane Costa Guimarães são, respectivamente, sócia e advogada do escritório Mattos Filho

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