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A corrupção é vista como um elemento do custo-benefício operacional para algumas empresas

O desenrolar da operação Lava Jato e seus respectivos "filhotes" suscitam-me, incessantemente, a figura pulsante do criminólogo americano Edwin Hardin Sutherland, um dos sociólogos do delito mais influentes do século XX, conhecido por sua famosa expressão e obra "White collar crime", publicada em 1949, consequência de mais de uma década de estudos, envolvendo a criminalidade empresarial americana.

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Por Rodrigo Felberg
Atualização:

Soa-me surpreendente como suas pesquisas, inovadoras à época, continuam atuais e suas teses sendo reforçadas a cada momento em que figuras brasileiras, historicamente intangíveis, do seio empresarial ao meio político, foram alcançadas pelos tentáculos da Justiça.

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Sutherland não teve somente o mérito de descartar os fatores biológicos como supostos causadores da criminalidade, conforme pregavam os criminólogos naturalistas, mas abriu o jarro de pandora porque, em essência, identificou que a criminalidade estava centrada numa característica comum a todos os seres humanos, que é a propensão à imitação ao próximo.

Para ele, o atrativo à criminalidade é um fenômeno humano que se relaciona à imitação social, pautada por modelos ambientais, os quais, pelo intercâmbio de seus integrantes, forjam comportamentos, criando um sistema baseado na reflexão intencional e intuitiva, em que os freios morais eventualmente existentes são significativamente afrouxados.

Ainda que jamais tenha desconsiderado a capacidade de autodeterminação pessoal, Sutherland observou que se alguém convive em um universo de criminalidade, seja na "classe alta ou baixa", em regra, ficará propenso a reproduzir este comportamento, consoante mais inserido e íntimo dos seus membros. Mas não é só isso. Em determinadas classes sociais, notadamente as de elevado padrão socioeconômico, seus integrantes não somente delinquem pela imitação, consequência da interação e influências entre eles, mas também porque são estimulados pelas próprias circunstâncias em que estão inseridos, caracterizadas pela deturpação de valores, em que os criminosos-referências não são considerados, exatamente, modelos negativos. Em outras palavras: não são vistos como "criminosos".

Talvez, individualmente, sem a influência propulsora do meio, estas pessoas sequer viessem a delinquir. Mas o ambiente empresarial, controlado por figuras respeitáveis, signos que "deram certo", verdadeiros sinônimos de sucesso, possui esta armadilha, lançando um "fog" sobre a percepção ética dos demais executivos e funcionários, viabilizando práticas indesejáveis. É a exemplificação do que Sutherland alcunhou de associação diferencial, em que as razões do comportamento infracional estão fincadas nas interações sociais.

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Ou seja, há um tipo de criminalidade empresarial, em que a disfuncionalidade para o modelo econômico social é sensivelmente maior que a criminalidade clássica do núcleo duro do Direito Penal. De fato, fraudes licitatórias podem ser exponencialmente mais prejudiciais socialmente do que uma série de roubos, por exemplo. A corrupção é uma toxina social inodora, voraz, que atua nas sombras, matando, silenciosamente, milhares de pessoas e subtraindo-lhes a possibilidade de uma vida digna. Ainda que profundamente cruel e desumana, não são suficientemente combatidas em setores sensíveis de inúmeras atividades profissionais, quando não são efetivamente estimuladas e até ensinadas por "respeitáveis senhores de negócios", detentores da mais alta estima e admiração dos seus parceiros e colaboradores no mercado.

Para determinadas empresas, a corrupção é vista apenas como mais um elemento do custo-benefício operacional. É levada em conta na análise financeira. Ainda que indesejável, é compreendida, muitas vezes, como mais uma regra do mundo corporativo, passível de assimilação e aperfeiçoamento. Em empresas públicas, métodos administrativos muitas vezes são reconfigurados por padrões ideológicos, potencializando práticas corruptivas perniciosas como se os fins justificassem os meios, não somente degenerando o patrimônio coletivo, mas contribuindo para amenizar ou até aniquilar a consciência delitiva de seus infratores, produzindo sistemas autodestrutivos.

Daí porque a real percepção de que estes agentes possam ser realmente punidos com sanção que não tenha exclusivamente viés financeiro e de forma proporcional à gravidade e os profundos impactos decorrentes de suas condutas, passa a ser um fator absolutamente imprescindível ao combate desta praga que se disseminou em nosso país.

O meio e seus agentes tem seu papel na criminalidade empresarial. Mas a consciência e o livre arbítrio possuem natureza mandatória. A dissolução de práticas empresariais criminosas tem como seu algoz o poder ilimitado da consciência e da verdade, ao cair das personas. Que mais executivos possam remodelar, internamente, seus conceitos desviantes, ao mesmo tempo em que, externamente, as companhias consigam implementar, com a eficiência necessária, o que outrora consistiam apenas em manuais decorativos de integridade, modelos de compliance "para inglês ver". Que mais empresas possam pedir "desculpas à nação" e reconhecer os erros que cometeram, recompondo-os exemplarmente. Que os modelos negativos sejam, aos nossos olhos, sempre modelos negativos.

Rodrigo Felberg - Advogado Criminalista, Sócio do HARTMANN E FELBERG ADVOGADOS ASSOCIADOS. Graduado Pela Pontifícia Universidade Católica De São Paulo (PUC/SP). Mestre em Direito Político e Econômico Pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2001). Doutor em Direito Político e Econômico Pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2013). Pós-graduado em Direito em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra. Professor de Direito Penal, Direito Penal Econômico e Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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