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A controversa norma do CNJ sobre registro em caso de reprodução assistida

Por Débora Gozzo
Atualização:
Débora Gozzo. Foto: Divulgação

No dia 15 de março deste ano, entrou em vigor o Provimento n° 52, da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, a fim de regulamentar o registro de nascimento de crianças nascidas em território nacional com o emprego de qualquer técnica de reprodução humana assistida. Isto se fazia necessário, especialmente quando se empregava o material genético de um doador ou uma doadora -- sêmen ou óvulo --, pois o filho não seria biológico daquele que estivesse tentando concretizar seu projeto parental.

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Assim é que, casais heteroafetivos com problema de infertilidade ou, ainda, homoafetivos, precisavam da ajuda da medicina para ter um filho por meio da doação de gametas. Antes do Provimento, a fim de conseguirem a lavratura do termo de nascimento do filho assim concebido e nascido, os interessados tinham de se dirigir ao Judiciário, o que gerava uma série de problemas e, principalmente, atraso na obtenção do documento. Algumas pessoas, inclusive, já estavam ingressando com o pedido antes do nascimento, com o propósito de agilizar o processo de registro do nascimento da criança. Em Pernambuco, o desembargador Jones Figueirêdo já havia determinado aos cartórios do Estado que lavrassem o registro, independentemente de autorização judicial. Mas havia necessidade de alguma norma que uniformizasse isso no País. Daí a importância do Provimento n° 52 do CNJ.

Apesar de as normas da Corregedoria do CNJ serem bem-vindas, elas acabaram por ocasionar um problema maior, desta feita, no que diz respeito ao médico envolvido no procedimento da reprodução humana. Isto porque o Provimento estabeleceu que a doação do gameta masculino (sêmen) ou do feminino (óvulo), não mais poderá ser anônima. Assim, o diretor do centro de reprodução humana terá de declinar o nome do doador, bem como seus dados de caráter geral e de suas características fenotípicas. Como fazer isso, uma vez que o médico está sujeito aos termos da Resolução n° 2.121/2015, do Conselho Federal de Medicina, que impõe o sigilo no que concerne a esses dados sensíveis do doador?

Mais do que isto, o Código de Ética Médica impede o profissional de revelar esses dados. Isto para não mencionar que pratica crime, previsto no Código Penal, portanto, o profissional que revela informações sigilosas recebidas durante o exercício de sua atividade. Não é à toa que, em alguns casos que já chegaram ao Judiciário, os médicos estão quase recebendo ordem de prisão por desobediência, porquanto se negam a revelar a identidade do doador. Note-se que há clínicas que pararam de empregar o uso de material doado, e que não estão mais encontrando doadores que queiram ter sua identidade revelada, correndo o risco de virem a ser tidos como pai ou mãe, sendo que o projeto parental não era deles. E isto não tem nada a ver com uma paternidade não responsável. Eles só buscaram ajudar aqueles que precisavam desse material genético para poder ter um filho, que não por meio da adoção.

Não bastasse isto, o Provimento determina, ainda, que o cônjuge ou o companheiro do doador, se ele viver junto com outra pessoa, deverá dar sua autorização para a doação. E este consentimento também está sendo exigido por ocasião dos registros de nascimento que estão sendo realizados neste momento, por causa das normas da Corregedoria do CNJ.

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Ressalte-se, por fim, que ao desautorizar o uso da reprodução humana com doador anônimo, as normas do CNJ criaram um novo ponto nevrálgico. Restou estabelecido que o este filho, que tem direito a tomar conhecimento de sua origem biológica -- o que é salutar para seu desenvolvimento como pessoa e cidadão, não se nega -- está impedido de pleitear em qualquer momento que seja, o reconhecimento do vínculo de parentesco em relação ao seu genitor biológico (doador ou doadora). Ora, como se deverá entender esta determinação do CNJ, ainda mais depois do julgamento do Recurso Extraordinário nº. 898.060-SC, pelo Supremo Tribunal Federal no último dia 22 de setembro, entendendo que o filho tem direito a fazer constar de seu registro de nascimento o nome do pai/mãe socioafetivo e do biológico? E mais: o filho poderá exercer os direitos de alimentos e ter direitos sucessórios em relação a estas pessoas? (Claro que a recíproca é verdadeira). O que também não ficou claro é quem exercerá o poder familiar durante a menoridade desse filho, posto a lei civil ter estabelecido que só pai e mãe - ou dois pais/duas mães - poderão fazê-lo?

Urgente se faz com que o Provimento seja revogado, evitando-se, com isto, a responsabilização dos médicos e eventual ação de investigação de paternidade a ser proposta pelo filho contra o pai/mãe doador. Isto é o que busca o Instituto dos Advogados de São Paulo - IASP, que pleiteia a revogação do Provimento n° 52/2016 junto ao CNJ, até que lei venha a disciplinar devidamente o tema. Urge, pois, que o legislador haja!

*Débora Gozzo - sócia efetiva do IASP; membro da Comissão de Direito de Família do IASP; Professora Titular da USJT e do UNIFIEO.

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