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A Anac e os abusos no setor aéreo

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Por Claudio Lamachia
Atualização:
Aeroporto de Congonhas. FOTO: FELIPE RAU/ESTADÃO Foto: Estadão

Não foi falta de aviso, tampouco de medidas judiciais. Desde que se aventou a possibilidade de cobrança extra pelo despacho de bagagens em viagens aéreas, a OAB colocou-se contra a medida, apresentando razões técnicas e objetivas como alerta para o prejuízo que seria imposto aos passageiros. Hoje está claro o dano causado. A medida, autorizada pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), não passou de um subterfúgio para aumentar o lucro das companhias em detrimento dos direitos dos consumidores. Causa estranheza que o órgão incumbido de regular e fiscalizar o setor atue como parceiro de seus fiscalizados.

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A promessa de queda nos preços dos bilhetes aéreos -que seria motivada pela taxa extra- não se concretizou. As empresas do setor sustentam que houve queda de 7% a 30% nos preços, mas o próprio Ministério da Justiça contestou os dados, apontando inconsistência e falta de transparência na obtenção dos dados. No dia a dia, os passageiros continuam pagando caro por um serviço cuja qualidade só piora.

Faltam, por exemplo, informações seguras a respeito da manutenção das aeronaves.

Um dos sintomas mais evidentes da piora do serviço é a proibição, ilegal, que as companhias estão impondo para o transporte da bagagem de mão -na qual os viajantes podem transportar remédios, documentos e objetos delicados. Esse novo problema, que não existia antes da taxa extra, decorre de outra artimanha do consórcio empresas-Anac.

Para defender a cobrança a mais pelo despacho de malas, o consórcio apresentou como novidade positiva o aumento do volume permitido para a bagagem de mão (de 5kg para 10kg). As cabines dos aviões, obviamente, não aumentaram de tamanho. Agora, os passageiros que chegam primeiro conseguem colocar as malas nos bagageiros acima do assento. Os que chegam depois não encontram espaço e são obrigados a transferir os pertences pessoais para o compartimento de carga.

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Além de aumentar o tumulto e corre-corre na área de embarque, as companhias passaram a adotar como estratégia comercial o desrespeito ao contrato estabelecido na venda das passagens, que dá ao passageiro o direito de transportar a bagagem de mão na cabine, não no compartimento de carga.

A Anac, por sua vez, autorizou e fechou os olhos para medidas que ferem o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil e até mesmo a Constituição, como argumenta a OAB na ação judicial que apresentou no fim de 2016. Até agora, no entanto, o caso não foi processado e os abusos continuam sendo cometidos.

O transporte de bagagem é um direito inerente à liberdade de ir e vir. O Código Civil esclarece, em seu artigo 734, que o transporte de bagagens não é serviço separado do transporte de passageiros. O artigo diz que "o transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade".

A exigência de que, além da passagem, o consumidor também pague a mais para embarcar uma quantidade mínima de malas está em desacordo com o Código de Defesa do Consumidor nos artigos 6º e 39, que, respectivamente, asseguram a liberdade de escolha e proíbem a "venda casada".

Do muito que se pode aprender com o episódio, um ponto fica ainda mais evidenciado: o papel das agências reguladoras brasileiras merece ser objeto de uma análise profunda. Historicamente, as agências reguladoras são utilizadas como moeda de troca política, o que não raramente ocasiona o desvio da função para as quais foram criadas, além de aumentar o custo de uma máquina pública já inchada.

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*Presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil

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