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A absurda prisão de mãe com bebê recém-nascido

Sobre o recente caso ocorrido em São Paulo, de uma jovem de 24 anos, Jéssica, presa com o bebê recém-nascido, logo após alta da maternidade, e diante dos marcos normativos da proteção aos direitos de crianças e adolescentes no Brasil, é preciso tecer algumas considerações sobre a odiosa prática de encarceramento de crianças na mais tenra infância.

Por Eufrásia Maria Souza das Virgens e Juliana do Val Ribeiro
Atualização:

Desde a Constituição Federal, com a mudança de paradigma da situação irregular para a proteção integral, foi assumido o compromisso constitucional de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com prioridade absoluta, os direitos fundamentais, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. E o compromisso não é só do Estado, mas também da família e da sociedade, sendo que a prioridade absoluta significa que o atendimento aos direitos das crianças e adolescentes deve ser imediato e antes de qualquer outra questão.

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Em 8 de março de 2016 foi aprovada a Lei 13.257/16, que dispõe sobre as políticas para a primeira infância e altera o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Processo Penal, dentre outras legislações.

O artigo 41 da referida Lei alterou o artigo 318 do Código de Processo Penal para incluir nas hipóteses de prisão domiciliar gestante, mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos e homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 anos incompletos, respeitando o legislador o princípio da convivência familiar e comunitária das crianças.

Não há dúvida de que fere o interesse superior de um bebê não ser mantido com sua mãe após seu nascimento, mas a custódia da genitora, primária, que estaria portando pequena quantidade de maconha em suas vestes, ofende o ordenamento jurídico, principalmente as alterações decorrentes da Lei da Primeira Infância.

Não se pretende discutir o envolvimento da mãe no tráfico ou não, fato é que, ainda que se entenda que ela estivesse traficando, era juridicamente possível a sua liberdade provisória, tanto que o TJSP assim entendeu, de modo que sua prisão preventiva, na audiência de custódia, se mostrou absolutamente contrária aos interesses da criança, assim como aos princípios que nortearam a alteração do Código de Processo Penal em 2011, quando se previu a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.

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Não se pode compreender que o Poder Judiciário, que integra o Estado, na expressão contida na Constituição da República, em seu artigo 227, possa manter uma prisão de alguém que acabou de ter um filho e que entrou em trabalho de parto no momento em que estava sendo presa. É uma grave violação, acima de tudo, ao direito da própria criança.

De acordo com o Cadastro Nacional de Presas Grávidas e Lactantes, do Conselho Nacional de Justiça, atualmente são 622 grávidas e lactantes presas no Brasil. "As informações extraídas do Cadastro, até o último dia de 2017, revelam que o maior número de mulheres gestantes ou lactantes estão custodiadas no estado de São Paulo, onde, de 235 mulheres, 139 são gestantes e 96 lactantes. Em segundo lugar vem Minas Gerais, com 22 gestantes e 34 lactantes. Rio de Janeiro está em 3º no ranking, com 28 gestantes e 10 lactantes."

Não se pode furtar de reconhecer, então, que o cerne da questão em apreço é a violência institucional decorrente da manutenção de uma mulher presa logo após o parto, que representa um momento de extrema fragilidade física e emocional.

Cabe a todos nós, sejam integrantes do sistema de justiça ou cidadãos, papel relevante na proteção e garantia de direitos de crianças e adolescentes e por isso mesmo é que o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 86, prevê o sistema de garantia de direitos como conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, exatamente na perspectiva de trabalho conjunto e integrado do qual fazem parte instâncias do poder público e da sociedade, diante da responsabilidade conjunta prevista na Constituição Federal.

Não é possível continuar violando direitos de crianças e adolescentes que nascem em situação de vulnerabilidade, como é o caso de um bebê encarcerado com a mãe logo após o parto.

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Na data de hoje, inclusive, está pautado para julgamento, no Supremo Tribunal Federal, o Habeas Corpus 143.641, impetrado por um grupo de Advogados em favor de "todas as mulheres submetidas à prisão cautelar no Sistema Penitenciário Nacional, que ostentem a condição de gestantes, puérperas ou mães com filhos de até 12 anos de idade sob sua responsabilidade, e das próprias crianças", visando a revogação da prisão preventiva decretada ou sua substituição por prisão domiciliar.

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Diversas Defensorias do Brasil ingressaram com pedido de amicus curiae em virtude do interesse no julgamento favorável do referido Habeas Corpus, inclusive as de São Paulo e do Rio de Janeiro. É o direito à convivência familiar e comunitária das crianças que também está em jogo no julgamento de hoje.

Assim também cabe nos perguntar, após quase 130 anos da libertação dos escravos, se o que vivemos não é nova roupagem para a escravidão, como a negação histórica de direitos sociais e o encarceramento da população pobre, preta e moradora das periferias das grandes cidades, onde "ninguém mais tem ilusão no poder da autoridade de tomar a decisão" como disse Gilberto Gil em Barracos da Cidade.

*Eufrásia Maria Souza das Virgens é Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro, titular da 1ª DP da Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CDEDICA).

Juliana do Val Ribeiro é Defensora Pública do Estado de São Paulo, atual Coordenadora do Núcleo da Infância e Juventude da Defensoria Pública (NEIJ).

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