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3 anos depois de preso pela Lava Jato, Alberto Youssef passa para o regime aberto

Doleiro que é origem do escândalo Petrobrás ganhou o direito de cumprir pena em liberdade nesta sexta-feira, 17, benefício concedido por ter feito delação premiada, mas terá que permanecer com tornozeleira eletrônica; defesa vai recorrer

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Foto do author Fausto Macedo
Por Ricardo Brandt , Julia Affonso e Fausto Macedo
Atualização:

Doleiro Alberto Youssef. Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

Três anos depois de ser preso pela Operação Lava Jato, Alberto Youssef conseguiu nesta sexta-feira, 17, o direito de voltar para as ruas. O doleiro, acusado de ser o principal operador de propinas no bilionário esquema de corrupção na Petrobrás, conseguiu a progressão de regime de cumprimento de pena e pode agora deixar seu apartamento, em São Paulo, onde cumpria prisão domiciliar. O benefício decorre do acordo de colaboração premiada que fechou com a força-tarefa do Ministério Público Federal.

O doleiro, no entanto, terá que permanecer com tornozeleira eletrônica e algumas restrições:

- recolhimento domiciliar noturno, entre as 20:00 e as 06:00 do dia seguinte? ­

recolhimento domiciliar integral nos feriados e finais de semana? ­

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vigilância eletrônica por tornozeleira nos períodos de recolhimento domiciliar? ­

proibição de mudar-­se de endereço ou de viagem ao exterior sem autorização do Juízo? ­

proibição de viagens para fora da cidade de seu domicílio sem autorização do Juízo?

apresentação de relatórios semestrais por escrito pelo condenado a fim de esclarecer suas atividades.

A ordem é do juiz federal Sérgio Moro, dos processos da Lava Jato, em Curitiba.

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O criminalista Antonio Figueiredo Basto, defensor de Youssef, vai recorrer da decisão de manutenção da tornozeleira eletrônica. Ele deve apresentar uma reclamação no Supremo Tribunal Federal (STF).

 

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"Alberto Youssef foi condenado por diversos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Deveria permanecer preso por vários anos considerando sua elevada culpabilidade. Entretanto, forçoso reconhecer que colaborou significativamente com a elucidação de vários casos criminais no âmbito da assim chamada Operação Lavajato e igualmente para outras investigações criminais", escreveu Moro, em decisão , desta sexta, 17.

"Além de confessar a sua culpa, renunciou seus direitos sobre patrimônio considerável conforme descrição contida nas cláusulas 7ª e 8ª do acordo, o que permitiu a recuperação de parte do produto do crime que lhe foi direcionado, espera-­se que tudo, com a indenização da vítima. Assim, natural que, apesar de sua culpabilidade, receba benefícios."

Solto. Youssef deixou a cela de 12 metros quadrados, em que passou 2 anos e 8 meses de sua vida, em 17 de novembro de 2016. Dono da mais complexa e sofisticada lavanderia de dinheiro, a serviço de empreiteiras, partidos, agentes públicos e políticos envolvidos no esquema Petrobrás, Youssef cumpriiu mais 4 meses de prisão domiciliar.

O direito à liberdade foi o prêmio obtido pelo doleiro, em troca da confissão de culpa nos crimes contra a Petrobrás e da entrega de provas de novos delitos, ainda desconhecidos da força-tarefa da Lava Jato. Pelo acordo, fechado em setembro de 2014, sua pena pena máxima de prisão ficou limitada a 3 anos.

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Junto com o ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa, Youssef foi o primeiro delator da Lava Jato. Os dois confessaram à Justiça serem braços do PP no esquema de arrecadação de propinas na Petrobrás. Suas revelações transformaram as investigações de corrupção e lavagem de dinheiro em duas obras da de refinarias da estatal - Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, e Getúlio Vargas (Repar), no Paraná - no maior escândalo de corrupção do Brasil - provocando ainda uma enxugada de delações, são 57 até aqui.

"Não sou o mentor nem o chefe desse esquema", afirmou Youssef, no dia 8 de outubro de 2014, na primeira confissão do caso diante do juiz federal Sérgio Moro. "Sou apenas uma engrenagem desse assunto que ocorria na Petrobrás. Tinha gente muito mais elevada acima."

A partir das confissões de Youssef e Paulo Roberto Costa - que também deixou a cadeia, no último mês -, a Lava Jato tomou nova proporção. São mais de 80 condenados, penas que somadas ultrapassam 1 mil anos de prisão, mais de R$ 6,4 bilhões em propinas e a descoberta que corrupção era a "regra do jogo" em todos os contratos do governo.

 

Prisão. Braço direito do deputado federal José Janene (morto em 2010) - o ex-líder do PP que deu origem à Operação Lava Jato -, Youssef foi alvo principal da primeira fase das investigações, deflagrada em 17 de março de 2014.

Era segunda-feira e o relógio da recepção do Hotel Luzeiros, em São Luis, capital do Maranhão, marcava 6h, quando uma equipe de federais subiu ao sétimo andar para prender o hóspede do quarto 704.

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Velho conhecido das autoridades de outras prisões, o doleiro chegara acompanhado de um amigo na noite de domingo carregando duas malas e um caixa de vinhos embaixo do braço. Uma delas, guardava R$ 1,4 milhão em dinheiro vivo. Era propina da empreiteira UTC a ser entregue na tarde seguinte a um secretário do governo Roseana Sarney (PMDB), em contrapartida a liberação "adiantada" de dinheiro de dívida de mais de R$ 100 milhões que o grupo tinha a receber do Estado.

Três horas antes dos policiais baterem à porta do quarto 704, com vista para o mar, Youssef desconfiou do risco de ser preso e levou a mala milionária até o quarto do comparsa. Assim, mesmo preso, conseguiu efetivar o pagamento da propina, como revelaram à PF, posteriormente, as imagens das câmeras de segurança do hotel.

Il Bidone. A operação que tinha Youssef como alvo foi batizada de Bidone, referência ao filme Il Bidone (ou, A Trapaça), de Federico Fellini, que tem como protagonistas três trapaceiros que vivem de aplicar golpes, na Itália pós guerra, dos anos 1950. O personagem principal, Augusto, é um velho trapaceiro em crise de consciência: abandonar a vida de trambiques ou buscar a retidão ao lado da filha.

Reprodução  

A vida de Youssef repete, ao seu modo e tempo, o dilema vivido por Augusto, de Fellini, imortalizado nas telas do cinema.

Beto - como é conhecido - é um "profissional do crime", definiu o juiz federal Sérgio Moro, dos processos da Lava Jato, em Curitiba.

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Nascido em Londrina, filho de pai libanês e mãe brasileira, Youssef vendia salgado nas ruas e ainda jovem virou contrabandista, trazendo mercadorias não declaradas do Paraguai para vender no Brasil. Considerado um criminoso hábil, logo deixou de cruzar a fronteira com mercadorias não declaradas, passou a enviá-las via Correios. Foi detido cinco vezes nesse período.

Entre 2000 e 2002, Youssef foi detido outras três vezes, envolvido em esquemas de desvios na administração estadual e municipal.

Em 2003 foi preso no primeiro grande escândalo de corrupção, como um dos operadores das contas CC5 (de não residentes), usadas para remessa ilegal de mais de R$ 30 bilhões ao exterior, na década de 1990, por meio do antigo Banco do Estado do Paraná, o Banestado.

Em 2004 fechou um dos primeiros acordos de colaboração da Justiça brasileira, como o Ministério Público Federal de Curitiba, homologado pelo, até então, desconhecido juiz Sérgio Moro. Dos sete anos que pegou, cumpriu 1 e meio.

Nas ruas, Youssef, o delator do Banestado, se reergueu. Montou empresas de fachada como a MO Consultoria, Empreiteira Rigidez, GFD Investimentos, comprou hotéis, empresa de turismo. Mas tudo voltado à prática da lavagem de dinheiro, segundo a Polícia Federal. "Ele se reestruturou ainda mais poderoso e influente", afirmou um dos procuradores que mandou prender o doleiro em 2002.

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Arrependido. Preso pela última vez em 2014, Youssef perdeu os benefícios da primeira delação homologada por Moro no caso Banestado. Seis meses depois, fechou novo acordo, desta vez com a força-tarefa da Lava Jato.

Distante das grades, mas não livre da Justiça, Youssef está condenado pelo juiz federal Sérgio Moro como "um criminoso profissional" em seis processos criminais já concluídos da Lava Jato e é alvo de mais uma dezena deles na 13ª Vara Federal, em Curitiba, alguns ainda sem sentença, ou suspensos ou com absolvições.

 Foto: Estadão

Pelo acordo de delação, Youssef não poderá cometer qualquer tipo de crime por um prazo de 10 anos, ficando sujeito a responder aos processos e às penas que lhe forem imputadas na Lava Jato - 122 anos de cadeia. Após o prazo, se for pego cometendo novo crime, também voltará a responder às ações da Lava Jato, respondendo às tipificações que ainda não tenham prescrito.  Ele devolveu cerca de R$ 50 milhões.

Ao condenar Youssef por quebra de acordo no caso Banestado, Moro escreveu: "teve sua grande chance de abandonar o mundo do crime com o acordo de colaboração premiada, mas o desperdiçou, como indicam os fatos que levaram à rescisão do acordo".

 

Dilema. Aos 49 anos, com problemas do coração - chegou a ser internado duas vezes durante o período de cárcere -, Youssef mora atualmente em São Paulo, em um novo apartamento, de pouco mais de 50 metros quadrados. O prédio, no entanto, fica num dos metros quadrados mais caros da cidade, o bairro Vila Nova Conceição. Com vista para o Parque do Ibirapuera - um dos oásis no meio do arranha-céu da capital paulista -, o doleiro só poderá descer até a academia do condomínio e se deslocar para atendimentos médicos.

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Boa parte de sua fortuna levantada com a vida de crimes, como imóveis, carros e outros bens, foi perdida com a Lava Jato.

 

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