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'Pior que a colaboração processual é a intimidação e a corrupção', diz Figueiredo Basto

Precursor das delações no Brasil no Caso Banestado e responsável na Lava Jato pelos acordos de Youssef, Ricardo Pessoa, Delcídio Amaral, entre outros, criminalista diz que nem Estado, nem sociedade nem defesa têm compromisso ético com o crime, que discussão de teses sem fim na Justiça está ultrapassada e rebate críticas de colega que vai lançar livro contra advocacia 'colaboracionista'

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Por Ricardo Brandt e Julia Affonso
Atualização:

Figueiredo Basto. Foto: Denis Ferreira Netto/Estadão

O criminalista Antonio Figueiredo Basto, advogado do doleiro Alberto Youssef e de pelo menos outros seis delatores da Operação Lava Jato, afirma que "pior que a colaboração processual é a intimidação e a corrupção" - que "movem o crime e garantem o silêncio".

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Citado no livro que será lançado pelo criminalista Nelio Machado, Covardia, com críticas ao instituto da delação premiada e seus signatários, Basto diz que a "sociedade e o Estado não têm a obrigação de respeitar a ética e o silêncio entre os criminosos", valores que, na sua avaliação, o advogado também não é "obrigado a conviver" nem "avalizar".

O criminalista lembra que a colaboração processual existe em outros países, como Alemanha, Inglaterra, Espanha, Portugal, Itália e Estados Unidos. "Um colaborador processual não é um delator que trai a família, trai por religião ou por ideologia política. Toda relação ética pressupõe o valor anterior, ou seja, família, tem um laço de amor, de harmonia, de sangue que une as pessoas, o casamento, os sacramentos religiosos, as definições de politica, todos esses valores são complexos e têm interesse social que sejam preservados. Nesse caso (da Lava Jato), o antecedente nada justifica a traição. A contrário, o crime é um lugar neutro. Entre criminosos não há ética."

Paranaense, com 30 anos de carreira, precursor em acordos de colaboração no Brasil como defensor de Youssef, no Caso Banestado, em 2004, não é a primeira vez que Basto é atacado por colegas. Em seu escritório em Curitiba, uma casa de três andares, sem identificação ou placas de advocacia na fachada, no bairro Nova Mercês, pelo menos dez delações da Lava Jato foram montadas, entre elas a de Youssef, a do empresário Ricardo Pessoa (UTC), do ex-senador Delcídio Amaral (ex-PT), do ex-diretor da Petrobrás Renato Duque.

Disciplinada pela Lei 12.850, de 2013, a colaboração é um importante eixo da Lava Jato. Na obra ainda não lançada de Machado, ele afirma que os colegas optaram por uma via que exclui a defesa de teses jurídicas no processo e afasta a advocacia clássica. Mas Basto rebate: "Na colaboração, ninguém abre mão da defesa".

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"O colaborador como foi bem dito no julgamento do Lula, tem todo direito de impugnar teses excessivas, impugnar teses que possam lhe prejudicar."

Para o especialista em delações, "o que o acusado faz é buscar uma tese defensiva que lhe dê possibilidades maiores de obter um favor legal". "Isso não é contrário à lei e não é contrário à ética. O que é contrário à ética, é o crime, não a colaboração."

Crítico da visão "romântica" do colega escritor, Basto diz que processo não é batalha, advogado não pode se comportar como Dom Quixote e que essa é uma advocacia "ultrapassada". "Não dá resultado para ninguém. Pode até dar resultado para o advogado, que fica arrastando processo, discutindo teses absurdas."

LEIA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA:

Estadão: No livro que o criminalista Nelio Machado vai lançar ele critica quem atua em acordos de delação, sob a ótica de uma defesa com critérios pragmáticos?

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Antonio Figueiredo Basto: Com todo respeito ao colega, a abordagem não é jurídica, mas sim uma retórica oca, sobra agressividade e falta bom senso. Ele vê advocacia como uma coisa de 40, 50 anos atrás, quando você tinha um sistema opressivo e um advogado de combate ao sistema.

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Hoje nós estamos em um Estado de Direito em vigor, o processo, ao contrário do que ele diz, não é uma batalha, o advogado não é um Quixote, que fica procurando moinhos de vento para derrubar. Na verdade, ao invés de expandir o conflito, ele tem que tentar conter o conflito em favor do cliente, só do cliente, e não ficar defendendo teses absurdas e criando expectativas que não vão acontecer.

Estado: O sr. aceita bem a crítica do livro de que integra um grupo de advogados que ao se especializar em acordos de colaboração abdicou da defesa de teses nos processos?

Basto: Não aceito e repudio. É curioso que essa tese venha do Nelio. Todas as primeiras teses da Lava Jato quem sustentou fui eu e todas as teses que ele sustentou na Lava Jato ele fracassou. Tudo o que ele escreveu, tudo o que ele postulou foi rejeitado pelos tribunais, na primeira, na segunda e na terceira instância. Então, sobrou coragem, mas na minha opinião faltou muita técnica e preparo para enfrentar os processos.

Muitos advogados precisam se reciclar, refletir e estudar sobre o tema complexo que é a colaboração premiada. Porque a colaboração processual na advocacia criminal é atual. A advocacia criminal de hoje não é a de 30, 40 anos atrás. Advocacia exige coragem, eu concordo com ele, mas isso nada tem a ver com ataques, com agressividade, falta de bom senso. Tem que ter estratégia adequada para enfrentar o processo criminal moderno. Advogado hoje tem que ser multidisciplinar, tem que mais do que conhecer o processo, estar pronto para um debate que traga para o cliente o resultado efetivo, e não ficar defendendo teses absurdas, muitas vezes, que só servem para arrastar a questão por mais tempo, com seríssimos prejuízos ao cliente.

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Acabou o tempo de o processo se estender sem limites, não existe mais. O exemplo claro é o do Paulo Maluf, o processo clássico de como o sistema antigo não serve para ninguém. Não serve para o réu, porque eles apostaram na prescrição e ela não veio e o cliente foi punido tardiamente. O sistema foi  ineficaz porque não puniu na ora que deveria punir, e contra ele foi um grande prejuízo porque foi punido em idade avançada quando a pena é mais dura. Se fosse punida mais jovem, pelos fatos, era outra pessoa. Hoje, mais velho, tem dificuldades de enfrentar o cárcere. Ou seja, tanto para o acusado como para o sistema, o processo se mostrou absolutamente e profundamente injusto.

Então é preciso hoje que o advogado entenda o sistema, não funcione como um elemento que vai estender o conflito, pelo contrário. O processo penal moderno não é o de antigamente, do direto penal individual. Hoje temos entes coletivos sendo processados, empresas, organizações criminosas. Advogados mais velhos têm dificuldade para entender isso, agora se o advogado não entender isso vai trazer sérios prejuízos ao cliente. Tem que adequar sua estratégia ao que é melhor para o cliente.

Estado: O argumento do criminalista Nelio Machado é que os colegas abrem mão da defesa nos processo ao buscarem os acordos para os clientes...

Basto: Muito pelo contrário. Isso é um grande equivoco, que beira a grosseria, sem nenhuma base jurídica. Primeiro que, na colaboração, ninguém abre mão da defesa. O acusado, como foi bem dito no julgamento do Lula, o colaborador tem todo direito de impugnar teses excessivas, impugnar teses que possam lhe prejudicar. Ninguém abre mão da defesa. O que o acusado faz é buscar uma tese defensiva que lhe dê possibilidades maiores de obter um favor legal, isso não é contrário à lei e não é contrário à ética. O que é contrário à ética, é o crime, não a colaboração. Não temos no processo criminal uma batalha entre Ministério Público e defesa, é um discurso romântico o quixotesco, há muito ultrapassado, que não dá resultado para ninguém.

Pode até dar resultado para o advogado, que fica arrastando processo, discutindo teses absurdas.

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Você está dando ao seu cliente resultado, benefício, que na maioria das vezes é muito melhor do que apostar em teses de altíssimos risco que, ao final, se não se reverterem, prejuízos gravíssimos para o acusado e para a família.

Estado: O sr. abandonou a advocacia clássica, como diz Nelio Machado?

Basto: Não estamos mais em um regime de exceção, estamos em um Estado de Direito, mas há também um 'estado de juristas'. Muitas pessoas falando sobre vários temas, principalmente apegados ao chavão da inconstitucionalidade. Mas quando são trazidos para um debate mais sério, não sabem dizer qual a inconstitucionalidade nas colaborações.

O Supremo já disse que ela é absolutamente compatível com nosso sistema constitucional. Mas esse 'estado de juristas' leva às pessoas essa perplexidade, criam um ambiente de insegurança.

Vimemos hoje uma situação em que os juristas são príncipes mimados, como o Nelio, que não podem ver suas teses contrariadas. Querem porque querem impor suas teses. Não existe advocacia clássica, existe advocacia. E ela tem que avançar, progredir de acordo com as necessidades e conflitos da atualidade.

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Estado: A delação é uma traição que deve ser vista com resssalva?

Basto: A colaboração processual existe em todos os países de boa cultura jurídica como Alemanha, Inglaterra, Espanha, Portugal, Itália e Estados Unidos.

Um colaborador processual não é um delator que trai a família, por religião ou por ideologia política. Toda relação ética pressupõe o valor anterior, ou seja, família, tem um laço de amor, de harmonia, de sangue que une as pessoas, o casamento, os sacramentos religiosos, as definições de politica, todos esses valores são complexos e têm interesse social que sejam preservados.

Nesse caso (da Lava Jato), o antecedente nada justifica a traição. A contrário, o crime é um lugar neutro. Entre criminosos não há ética. A sociedade e o Estado não tem a obrigação de respeita a ética e o silêncio entre os criminosos. O silêncio entre os criminosos é obtido por duas maneiras: ou pela corrupção ou pela ameaça e pela intimidação. O que move o crime e garante o silêncio é intimidação e corrupção. São valores absolutamente negativos para a sociedade.

Pior do que a colaboração processual é a intimidação e a corrupção. O advogado não é obrigado a conviver com isso e avalizar esses valores.

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Não há ambiente de coragem ou não. O processo não está para testar a capacidade de ninguém, e sim para testar a capacidade de formular uma boa estratégia e adequar aos interesses do seu cliente. Processo não é uma campo de batalha.

Estado: No livro, Nelio vai falar em colaborações obtidas sob métodos questionáveis. O sr. confirma casos assim?

Basto: As pessoas têm o mau hábito de dizer isso, de forma genérica. Eu desafio alguém a provar que uma dessas colaborações tenha sido obtida de forma irregular.

Evidentemente que a Lava Jato teve pontos fracos, teve excessos. Ninguém nega. Precisa ser corrigido. Também não estou dizendo que a colaboração não precisa ser melhorada. Precisa sim ser aperfeiçoada, trabalhada, melhor colocada. Houve erro em acordos, ninguém discute. Muitas vezes o prejuízo nem é do Estado, são para o próprio colaborador, como estão verificando. É preciso que se estude, se aprofunde e melhore. Agora, não vejo coação.

Cercear liberdade de alguém, não significa que você esteja tirando dessa pessoa a capacidade de reflexão e principalmente que esteja tirando a capacidade de discernimento. É uma grande mentira. A maioria dos acordos foi feita com acusado solto.

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Estado: Qual balanço que o sr. faz da Lava Jato nesses 4 anos?

Basto: Acho que é preciso que as pessoas entendam que a Lava Jato não é uma operação política. O que há são políticos corruptos sendo investigados. Uma organização criminosa descoberta dentro do Estado brasileiro, que se organizou para praticar crimes e se manter no poder e ela está sob investigação.

Não vejo perseguição política, e sim um discurso de políticos, que continuam exercendo suas funções, e que alguns advogados tentam vender para a população.

Se a Lava Jato tem erros, eles devem ser vistos pelos tribunais e apontados. Há muita insegurança jurídica no País hoje. Juízes falam demais, procuradores tentam interferir onde não devem, um jogo político que não diz respeito a eles, e isso criou um clima de insatisfação na sociedade. Agora, o ambiente do processo e investigação é outro.

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