Foto do(a) blog

A campanha eleitoral na internet e nos tribunais

Tiririca pode? O humor nas eleições

Perplexo ou não, é o eleitor o árbitro que vai premiar com seu voto ou punir com seu desprezo quem usa tais métodos para tentar se eleger.

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

Por Eduardo Muylaert *

PUBLICIDADE

O deputado Barreto Pinto, do PTB, foi, em 1946, o primeiro parlamentar a ser cassado no Brasil. Motivo: falta de decoro parlamentar. David Nasser prometera publicar seu retrato na revista O Cruzeiro, só da cintura para cima, mostrando elegante fraque, camisa e gravata. Mas acabou publicando uma foto de corpo inteiro, onde o descuidado aparecia de cuecas.

De 1946 para cá, muita coisa mudou. Há dias, o deputado Tiririca mostrava na propaganda eleitoral um deputado em exercício, não o exercício do mandato, mas um exercício de musculação. Não ouvi falar em nenhuma proposta de cassação. Consta que Tiririca tem sido um parlamentar presente e atuante, mas que não abre mão do histrionismo em busca de votos. Foi assim, literalmente bancando o palhaço, que se elegeu e carregou vários  colegas de partido para a Câmara Federal.

Nessa eleição, ele já se envolveu em duas polêmicas, e possivelmente em duas ações judiciais. Primeiro, numa paródia de O Portão, de Roberto e Erasmo Carlos, depois numa imitação de Darth Vader, personagem da Disney.

A jurisprudência é no sentido de que a liberdade de propaganda não exclui o respeito aos direitos autorais de terceiros, embora a competência seja aí da justiça comum. Ocorre que, no mundo todo, e também na lei brasileira, há uma exceção clara: "São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito."

Publicidade

Curiosamente, foi no questionamento de um artigo da Lei das Eleições que o Supremo Tribunal Federal afirmou com todas as letras a dignidade e a proteção constitucional do humor.

O artigo 45, II, da Lei 9504/97, que proibia, no período eleitoral, as emissoras de rádio e televisão de "usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito", continua suspenso. A liminar é de setembro de 2010, e o mérito ainda não foi julgado. (ADIn nº4451, conhecida como a ADIn DO HUMOR).

O humor é uma forma de expressão artística que, segundo a Ministra Carmen Lúcia, encontra proteção no núcleo intocável no artigo 5º. A Lei Eleitoral tomou o cuidado, em matéria de internet, de deixar claro que é livre a manifestação do pensamento pela rede mundial de computadores (Art. 57-D).

Em matéria de paródia, aliás, há uma importante decisão desse mês da Corte de Justiça da União Européia. Um dos quadrinhos do belga Willy Vandersteen foi alterado por uma partido nacionalista flamengo para atacar violentamente um político local. Foi reconhecido que, em tese, a caricatura, a paródia e o pastiche são livres, exceção clara aos direitos de autor. Segundo a Corte, a paródia não precisa mencionar a fonte, nem ser muito diferente dela. Mas, no caso, foi inserida uma mensagem discriminatória, racista mesmo, que se choca com o espírito da obra original.

Em síntese, os juízes europeus consideraram que a liberdade de expressão não pode superar o direito de autor quando é utilizada num quadro político, com fins discriminatórios contra grupos de pessoas. A decisão repercutiu no mundo todo e coloca uma bela questão para nós também.

Publicidade

Vedar o humor? Isso é uma piada, afirmou o Ministro Peluso ao conceder a liminar no STF. E o STJ acolheu a opinião da Ministra Nancy Andrighi, de que também não cabe aos Tribunais dizer se o humor praticado é "popular" ou "inteligente", porquanto à crítica artística não se destina o exercício de sua atividade.

E o eleitor? Perplexo ou não é ele o árbitro, que vai premiar com seu voto ou punir com seu desprezo quem usa tais métodos para tentar se eleger.

*Professor Associado da FGV Direito Rio

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.