Por Diego Werneck Arguelhes*
O primeiro turno das eleições foi um sucesso de organização. Em questão de horas após o fechamento das urnas, já sabíamos o resultado da votação para todos os cargos, em todos os estados. Já sabíamos quem iria para segundo turno. Mais ainda, essa velocidade não gerou pedidos de recontagem ou suspeitas sobre o procedimento. Isso não significa que não tenha havido problemas; por exemplo, muitos estados tiveram problemas no momento de utilizar a identificação por biometria. Mesmo assim, é difícil imaginar um empreendimento eleitoral dessa escala, em um país com as dimensões do Brasil, que tenha ocorrido com tamanha combinação de celeridade e tranquilidade, em total ausência de contestação pública. Esse cenário, porém, esconde alguns riscos. Enquanto muitos países, incluindo EUA e a França, colocam a regulação, fiscalização e administração do processo eleitoral nas mãos de algum dos outros poderes eleitos, tomamos aqui um caminho distinto. Essa responsabilidade múltipla e decisiva fica nas mãos da justiça eleitoral - uma instituição que não é parte engajada no conflito eleitoral. Se os ocupantes de cargos no Executivo e no Legislativo podem ter incentivos para conduzir as eleições de modo a favorecer seu partido ou sua própria reeleição, a entrada em cena de um judiciário independente neutraliza esse risco. Contudo, se, por um lado, reduz o risco de politização, por outro, a aposta na justiça eleitoral independente pode ter criado, ao longo do tempo, um outro perigo. Quanto mais as eleições dão certo, e quanto mais se reconhece o papel da justiça eleitoral nesse resultado, maior o risco de o TSE se sentir autor (ou herói) do sucesso das eleições. E, como todo autor, propenso a defender sua obra de críticas. É problemático que, em vez de olhar as eleições (das quais é legislador e administrador) com o desprendimento exigido de um fiscal imparcial, o TSE se posicione como um defensor de seu próprio legado, esforçando-se para preservar a imagem de sucesso do nosso sistema. Com isso, fecha-se a críticas e fica menos capaz de reconhecer e corrigir os inevitáveis problemas que surgem em todo processo eleitoral. Dois recentes exemplos mostram que esse não é um risco abstrato. Primeiro, diante das reiteradas e
e da sociedade civil à
(e,
) das urnas eletrônicas, o TSE se fechou. Em vez de enfrentar os problemas apontados, cancelou os
testes públicos da segurança das urnas, que ocorriam até 2012
. Segundo, quando questionado sobre os vários problemas com a identificação por biometria na votação,
o Presidente do TSE, Ministro Dias Toffoli, minimizou o problema
. Como quando se compra um "carro novo", disse o Ministro,
leva tempo até entendermos como todos os recursos funcionam
. Essas e outras atitudes defensivas do TSE perante críticas sérias e problemas visíveis são preocupantes. No fim das contas, o TSE tem a difícil tarefa de ser o principal fiscal da transparência, eficiência e regularidade de sua própria obra. Juízes eleitorais estão habituados a corrigir desvios dos outros poderes e dos candidatos. Fazem isso bem justamente por serem independentes; podem se distanciar das certezas trazidas pelas partes interessadas. Mas, no caso das eleições, como fazer com que o TSE seja independente - e, com isso, crítico - de si mesmo? Â *Diego Werneck Arguelhes é professor da FGV Direito Rio.