Por Michael Freitas Mohallem*
O fatiamento da decisão do impeachment pelo Senado no caso de Dilma Rousseff não pode ser repetido na Câmara, para favorecer Eduardo Cunha.
A razão para esse entendimento é que o julgamento do impeachment se completou com a resposta dos senadores a uma questão composta de duas partes: a perda do cargo e inabilitação para função pública. Já no processo de cassação de mandato por quebra de decoro, que é o caso de Eduardo Cunha, os deputados decidem apenas sobre a perda do cargo. Nada mais.
Caso o deputado seja cassado, a decisão sobre sua elegibilidade virá posteriormente, quando apresentar sua nova candidatura à Justiça Eleitoral. Apenas neste momento se decidirá se pode ou não exercer o direito de ser candidato, sem qualquer participação direta dos deputados que decidiram sobre sua cassação.
Foto: DIDA SAMPAIO | ESTADAO CONTEUDO
Impeachment e cassação, embora possam ter consequências semelhantes, são conduzidos por regimes jurídicos distintos. O primeiro, pela Constituição e pela Lei do Impeachment. O segundo, pela Constituição e pela Lei da Ficha Limpa, que é categórica ao proibir candidaturas de parlamentares, por oito anos, quando cassados por quebra de decoro.
Se o caso de Cunha é incontroverso, o de Dilma suscitou um bom debate. Não há dúvidas sobre a competência do senado para dizer se a presidente deve perder o cargo e se deve ficar inabilitada. A controvérsia é se poderia ter havido fatiamento e se o ministro Lewandowski poderia ter tomado tal decisão sozinho. Ao que tudo indica, o STF decidirá ambas, com a preocupação de que a eventual decisão sobre o fatiamento torne inevitável a rediscussão do recurso de Dilma contra a perda do cargo de presidente.
Eduardo Cunha ficará "ficha-suja" e inelegível se cassado. Já Dilma, pode ser candidata a qualquer cargo, exceto o de presidente da republica em 2018 por já ter sido reeleita para este cargo. Porém, nada é definitivo quando se trata de parlamentares, que podem alterar a própria lei. Se o fatiamento neste momento não serve a todos que viram nele um suspiro de esperança, preocupa que a tese que o sustenta embale o retrocesso da Lei da Ficha Limpa.
* Professor da FGV Direito Rio
** Artigo publicado na versão impressa do jornal O Estado de São Paulo, página A8, domingo, dia 04 de setembro de 2016.