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“Eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa.” (Guimarães Rosa)

Vida que segue

Cenários, estratégias, futuro? A vida não é só esse matar leões; essa ânsia por compreender o devir. Depois das horas mais corridas, pede-se a avaliação mais calma e ampla; que constata sem sugerir. Um outro olhar, apenas. Ou, antes, um dedo nas nossas feridas e nas dos outros.

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Por Carlos Melo
Atualização:

Não adianta tentar tapar o sol com a peneira, o resultado da eleição foi muito ruim para o PT -- o partido ficou bem aquém de suas próprias expectativas e aquém também dos recursos e do poder de que dispunha para disputar a eleição, no país, nos estados; para a Câmara e para o Senado.

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Não adianta a presidente dizer que teve maioria dos votos, pois a verdade é que a maioria dos eleitores não votou em Dilma, ainda que Dilma tenha obtido mais votos que seus adversários.

Não adianta Dilma esbanjar um otimismo forçado porque sabe que o segundo turno transcorrerá sob um clima muito complicado, com acusações de escândalos e com a desqualificação dos resultados do seu governo. Desqualificar pura e simplesmente as críticas será inócuo; e recorrer à velha estratégia de malhar o governo FHC -- arma tantas vezes utilizada -- pode, um dia, não dar mais resultado. Matar hoje o sujeito que morreu ontem também é repetitivo e cansa.

Não adianta, Aécio, por sua vez, contar vantagem e sentir-se um super-homem -- algo tão normal aos tucanos -- porque, na verdade, vai ao segundo turno muito menos por seus méritos do que pela ruína de Marina Silva. Sabe que foi salvo menos por um eleitor que o aprova do que por um eleitor que desaprova Dilma. A ordem desses fatores altera, sim, o produto.

Não adianta fazer a crítica econômica ao governo do PT, afirmar que tudo precisa ser alterado, sem antes demonstrar como o fará para que seu ajuste não custe, antes, o emprego das pessoas. Este é o maior medo dos indivíduos e com ele Dilma assombrará a campanha e faz sentido que o faça. Emprego é mesmo coisa séria.

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Não adianta dizer que não cometerá os mesmos erros do PT, sem antes demonstrar quais serão as diferenças de seu relacionamento com o Congresso e financiadores de campanha, por exemplo.

De nada vale a Marina dizer que foi desconstruída sem antes admitir que os pontos que a prejudicaram foram, a maioria deles, gerados em sua própria campanha, com toda a dissonância de opiniões e com os recuos que demonstraram indecisão e suscetibilidade à pressão.

Não adianta afirmar que foi um massacre. Como se diz, "os fortes, de verdade, quando tomam veneno, o veneno só os torna mais fortes". Uma campanha política é mesmo um massacre para quem permite ser massacrado; é preciso saber ser leão e ser raposa, ao mesmo tempo, para sobreviver nessa selva. E, assim, avançar.

Não adianta dizer que não houve tempo de TV ou que tudo foi muito surpreendente e improvisado, a partir da morte de Eduardo Campos, porque foi mesmo assim e se sabia, de ante mão, que seria assim. E ainda assim, seria possível evitar algumas ciladas e dar mais e mais efetivas respostas do que Marina soube ou conseguiu dar.

Não adianta dizer o que se disser; os problemas do sistema político brasileiro não se resolvem com uma eleição. Aliás, em nenhum lugar do mundo se resolvem problemas assim de uma única vez; é preciso calma, engenho e persistência. Em todo o mundo há sistemas políticos com problemas e mesmo assim o processo político segue seu caminho.

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Há críticas para todos os gostos, desculpas para todos os pecados; há dor para todos os corações e maldade para todos os cínicos. Não adianta dizer que não dá para seguir adiante. O sol nasce todos os dias, o mundo pesa e mesmo assim seguimos em frente, todos os dias. Amanhã será sempre outro dia da vida que segue... Enquanto a vida seguir.

Carlos Melo, cientista politico. Professor do Insper.

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