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Transformando a gestão pública brasileira e fortalecendo a democracia

A versatilidade da tripla (ou quádrupla) jornada de trabalho que os números não capturam

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Por Laura Angélica Moreira Silva , Cientista Social , Mestre em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro , Doutoranda em Administração Pública , Governo pela Fundação Getúlio Vargas e Líder MLG. Atu
Atualização:

Agradeço as mulheres incríveis e persistentes que fizeram parte desse debate: Ana Clara, Beatriz, Clarete, Joana, Laura, Márcia, Marina, Raquel, Simone e Thássia. Realidades tão diferentes relatadas em título e texto.

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Escrevi um texto sobre os desafios da gestão pública, mas o deixei na gaveta tão logo tive acesso aos resultados da PNAD Contínua 2017 na parte referente a "Outras Formas de Trabalho" e a divisão por gênero, lembrando que esta pesquisa é realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O debate que eu gostaria de provocar está relacionado à tensão existente entre o "trabalho formal" e o que é chamado de "informal", compreendido aqui como o trabalho doméstico. Claro que para fins de análise de dados e para dar aos pesquisadores um panorama sobre a situação de trabalho entre os gêneros, categorias de análise são importantes. Todavia - e aqui reside minha reflexão - como estamos revertendo a situação apresentada pelos números?

O resultado da PNAD Contínua não apresentou descrição diferente dos registros imediatamente anteriores: as mulheres, de acordo com o IBGE, dedicam mais tempo ao trabalho. Seja qual for a categoria, a ocupação e horas de dedicação seguem distorcidas quando se compara os gêneros: se observarmos somente a categoria de homens e mulheres "ocupados", as mulheres gastam 18,1 horas por semana em trabalhos domésticos enquanto que os homens gastam 10,3 horas por semana. As mulheres "não ocupadas" dedicam 23,2 horas por semana a tarefas domésticas, enquanto que os homens enquadrados na mesma categoria gastam cerca de 12 horas com as mesmas atividades.

Além desses dados, pode-se fazer a estratificação também por raça, o que gera números ainda mais impactantes: as mulheres brancas e negras possuem média de trabalho em sua "ocupação" de 36 horas semanais, enquanto que os homens negros e brancos possuem média de trabalho de 40 horas semanais. Já a média de trabalho vinculado à vida desocupada, quero dizer, doméstica, entre as mulheres negras é de 15 horas, enquanto que dos homens negros é de 5 horas semanais. Entre os entrevistados que se autodeclararam brancos, as mulheres trabalham 13 horas semanais enquanto que os homens trabalham 4 horas semanais. Todas as estratificações apresentadas registram pessoas com nível de escolaridade "superior completo".

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Entrevistando mulheres da minha rede de relacionamento tal cenário se replica e é possível acrescentar outra variável a esses dados, a maternidade. E aqui reside uma visão de que esse "trabalho" é importante do ponto-de-vista social e opaco do ponto de vista econômico: as pressões que a maternidade gera nas mulheres mães gera também um efeito perverso de pressão sobre si mesmas para garantir que a (o) filha (o) receberá a devida atenção e será a (o) filha (o) que os pais e a sociedade esperam, assim como a mãe será uma boa profissional. Somadas a essa visão, foram apresentadas, inclusive, as pressões que uma mãe com recursos financeiros sofre para administrar a rede de apoio que foi construída a favor dos filhos. Outra tensão apresentada foi a existência de pressões pessoais para administrar uma agenda de meio período de trabalho "formal" e meio período de "trabalho doméstico" entre o casal, dada a inexistência de tal rede de apoio.

Exposto brevemente o debate, retomo o questionamento inicial: há de fato a busca para diminuir as distorções apresentadas pelos números? Ou há somente indivíduos observando que essa realidade gerará custos posteriores? Até o momento temos um diagnóstico e pouquíssimas ações com foco em reduzir a visão distorcida que se tem sobre as demais formas de se trabalhar.

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