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O outro lado da notícia

Economista propõe plano liberal para Bolsonaro

Programa defendido por Paulo Guedes, conselheiro econômico do pré-candidato, deixa para trás o nacional-desenvolvimentismo e procura apresentá-lo como opção liberal-conservadora

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Por José Fucs
Atualização:

Metamorfose. O deputado Jair Bolsonaro, pré-candidato à presidência da República, agora afirma ter se afastado das questões ligadas à economia  ( Foto: Hélvio Romero/Estadão)

A tentativa do deputado Jair Bolsonaro, pré-candidato à presidência da República, de se apresentar como opção liberal-conservadora nas eleições de outubro, começa a ganhar contornos mais definidos, pelas mãos do economista Paulo Guedes, anunciado como seu possível ministro da Fazenda, caso ele seja eleito.

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Com uma trajetória política marcada por posições nacional-desenvolvimentistas, de viés estatizante, que ainda geram muita desconfiança entre os liberais, Bolsonaro diz agora que deixará as decisões ligadas à economia para Guedes, cujas ideias são conhecidas e respeitadas no mundo dos negócios, para tentar dar alguma consistência à sua propalada conversão ao liberalismo.

"Eu confesso publicamente que não entendo nada de economia. A gente tem de ter humildade de escolher as pessoas certas, debater, conversar, para tomar decisões em diversas áreas", afirma. "A última presidente que disse que entendia de economia quebrou o Brasil. O Fernando Henrique não entendia de economia, mas foi ministro da Fazenda do Itamar Franco e fez o Plano Real."

Bolsonaro terá de formar uma aliança de centro-direita, que reúna as forças liberal-democratas e conservadoras em torno de sua candidatura

Sócio e presidente do Conselho de Administração da Bozano Investimentos, uma empresa de participações e gestão de recursos, Guedes diz que, para ampliar a sua base de apoio, Bolsonaro terá de formar uma aliança de centro-direita, que reúna as forças liberal-democratas e conservadoras em torno de sua candidatura, à margem da política do "toma lá dá cá", e propõe para ele um programa econômico de cunho liberal, revelado com exclusividade ao Estado (leia o quadro abaixo).

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Embora afirme que ele e Bolsonaro ainda estão conhecendo melhor as ideias do outro, comenta-se entre os colaboradores do deputado que Guedes já estaria até organizando o grupo de trabalho responsável pelo detalhamento do plano, cuja ênfase deverá ser no ajuste fiscal, para viabilizar a queda estrutural dos juros e das despesas de rolagem da dívida pública e a retomada da capacidade de investimento do governo, em especial na área social.

Na sua visão, depois de trinta anos de hegemonia social-democrata no Brasil, com o PT e o PSDB se alternando no poder, é hora de experimentar uma nova receita, para tentar colocar o País na trilha do crescimento sustentável. "A expansão ininterrupta dos gastos públicos corrompeu a democracia e estagnou a economia", afirma. "A social-democracia deu uma contribuição, levou os pobres para o orçamento público, mas não teve coragem de mudar o Estado, cortar subsídios, privilégios."

 Foto: Estadão

Guedes diz que tem mantido longas e frequentes conversas com Bolsonaro, que chegam a durar quatro ou cinco horas, para afinar com ele as suas percepções sobre os diferentes aspectos da economia - dos gargalos que travam o desenvolvimento do País, como o desequilíbrio fiscal e o déficit da Previdência, às propostas destinadas a alavancar o crescimento e melhorar os serviços públicos, como educação, saúde, segurança e saneamento básico.

Ele relata uma conversa ocorrida outro dia para ilustrar como tem sido a interação com Bolsonaro. Conta que, ao defender a independência do Banco Central (BC), Bolsonaro lhe disse que não apoiava a proposta, por temer que a gestão da instituição ficasse sem controle. Guedes afirma que procurou argumentar que não era assim, que era para "despolitizar" o BC, mas na hora Bolsonaro não se manifestou nem a favor nem contra suas observações. No dia seguinte, porém, de acordo com ele, Bolsonaro lhe ligou para dizer que havia pensado melhor e decidido apoiar a proposta. "Não sou maria vai com as outras, é que foi uma conversa inteligente", declarou Bolsonaro, segundo Guedes.

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Idealizador da possível candidatura de Luciano Huck à presidência, a partir da constatação de que, com a degeneração das práticas políticas no País, as portas se abririam para um outsider, Guedes acabou se aproximando de Bolsonaro, com o anúncio da desistência do apresentador, em novembro, e o convite que o deputado lhe fez para conversar com ele.

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No início do ano, com a aproximação de Bolsonaro do Partido Social Liberal (PSL), ao qual ele deverá se filiar para formalizar sua candidatura, Guedes ganhou o apoio de um nome de peso, para ajudá-lo na elaboração do programa econômico do deputado-candidato: o economista Marcos Cintra, filiado ao Partido Social Democrático (PSD) e hoje presidente da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), ligada ao governo federal.

O 'manicômio tributário' é um dos grandes empecilhos que o Brasil enfrenta para impulsionar o desenvolvimento

Criador da proposta do imposto único, pela qual seria cobrado um só tributo no País, incidente sobre todas as transações, nos moldes da antiga Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF), Cintra foi indicado a Bolsonaro pelo presidente do PSL, o deputado Luciano Bivar, um entusiasta da ideia, incluída em sua plataforma quando foi candidato à presidência da República, em 2006. "O manicômio tributário é um dos grandes empecilhos que o Brasil enfrenta para impulsionar o desenvolvimento", diz Cintra.

Ex-deputado federal de 1999 a 2003, ele foi colega de Bolsonaro na Câmara e afirma que recebeu o sinal verde do ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, fundador e líder do PSD, para se engajar na sua campanha. "Eu disse a ele que fui convidado para ajudar e que vislumbrava a possibilidade de implementar uma reforma tributária, em linha com a proposta que eu venho defendendo há trinta anos."

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Cintra reconhece que o imposto único sobre movimentações financeiras - que sempre recebeu o apoio dos liberais e teve o economista e ex-deputado Roberto Campos (1917-2001) como um de seus defensores - "virou um palavrão", por ter se tornado "mais um imposto" na época da CPMF. Ele afirma que Guedes considera a proposta de difícil viabilização no momento, mas diz que, ainda assim, pediu para que aprofundasse os estudos sobre o tema, para avaliar se seria possível incorporá-la na reforma tributária a ser incluída no programa de Bolsonaro, que deverá ser centrada na simplificação do sistema.

Ideias nacionalistas e estatistas sobrevivem à 'conversão liberal'

Mesmo com o aval de economistas como Paulo Guedes e Marcos Cintra, muita gente ainda questiona se Bolsonaro irá realmente incorporar o receituário liberal e deixar para trás os seus pendores históricos pelo nacionalismo, pelo protecionismo e pelo estatismo. Na semana passada, em pronunciamentos e entrevistas, Bolsonaro não conseguia disfarçar, por mais que se esforçasse para tanto, as suas ideias nacional-desenvolvimentistas, inspiradas nas políticas do regime militar, que o aproximam das propostas defendidas pelo PT e por outros partidos e organizações de esquerda que ele afirma combater.

Embora pareçafinalmente convencido da necessidade de promover a reforma da Previdência, ele defende a sua implantação de forma gradual, muito gradual, por meio do aumento de um ano por vez na idade mínima de aposentadoria. Também continua a resistir a qualquer mudança na Previdência dos militares, que, em sua opinião, devem manter condições diferenciadas. Numa outra frente, ele continua a defender medidas protecionistas para a exploração do nióbio, um mineral encontrado em abundância no Brasil, cuja demanda está em alta no mercado externo, e diz que o País não pode aceitar os preços internacionais, formados com base em mecanismos de mercado, que ele considera excessivamente baixos.

Bolsonaro é o único que está nadando de braçada na onda conservadora, mas é de esquerda em economia

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Por causa de posições do gênero, a anunciada conversão de Bolsonaro ao liberalismo é vista com ceticismo por muitos liberais. O empresário Flavio Rocha, presidente das Lojas Riachuelo, por exemplo, que também se apresenta como um defensor das ideias liberal-conservadoras, é um dos que não "compraram" a sua metamorfose até agora. "Bolsonaro é o único que está nadando de braçada na onda conservadora, mas ele é de esquerda em economia, porque é estatizante antes de mais nada", diz.

Rocha contou a um interlocutor que se encontrou há cerca de um mês com Bolsonaro, em São Paulo. Na semana passada, esteve com Paulo Guedes, no Rio de Janeiro, acompanhado de Renan Santos, um dos coordenadores do Movimento Brasil Livre (MBL), e de outros integrantes do grupo. Bolsonaro disse a Rocha que ele "seria bem-vindo", se quisesse se agregar à sua equipe, e Guedes afirmou que ele poderia ser um bom nome para compor a chapa como vice-presidente. Mas Rocha, ao menos por enquanto, parece não se ter sensibilizado com os argumentos dos dois e continua a criticar Bolsonaro.

Segundo Kim Kataguiri, um dos líderes do MBL, nada garante que Bolsonaro irá respeitar a autonomia que diz ter conferido a Guedes na área econômica, caso seja eleito. Ele lembra da dificuldade que o ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy, enfrentou para implementar as suas propostas de ajuste fiscal, em razão de divergências com a ex-presidente Dilma Rousseff, que o levaram, ao final, a deixar o governo.

Rocha, é certo, tem dado sinais evidentes nas últimas semanas de que poderá participar do pleito, apesar de negar oficialmente a intenção de se tornar, ele próprio, candidato à presidência, e conta com o apoio do MBL, que também adota um distanciamento crítico de Bolsonaro, para tentar viabilizar sua candidatura.

Em meados de janeiro, Rocha lançou em Nova York o movimento Brasil 200, em alusão aos 200 anos da independência que serão completados em 2022, como uma plataforma de defesa das ideias liberal-conservadoras, e está promovendo um intenso giro pelo País, com uma superexposição na mídia que não deixa dúvidas quanto aos seus planos.

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De qualquer forma, a resistência de Rocha em se unir ao "capitão", como costuma chamá-lo Paulo Guedes, revela o tamanho do desafio que Bolsonaro tem pela frente, para superar a resistência que suas posições históricas na economia despertam - e, mesmo assim, nada indica que conseguirá chegar lá.

 

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