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Por Ana Paula Henkel
Atualização:

Já terminou o verão e meu coração bate outra vez com esperanças. Não vou me queixar às rosas, aprendi com Cartola que as rosas não falam. O mundo é um moinho que "vai reduzir as ilusões a pó", mas sou brasileira e não desisto nunca. Nem do STF.

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Para o eterno menestrel da Mangueira, as rosas não falam mas "exalam o perfume que roubam de ti". Nesta quarta, quando a ministra Rosa Weber, a mais discreta representante da atual Suprema Corte, tomar sua decisão sobre o HC de Lula, o país inteiro poderá sentir o aroma que será exalado da Praça dos Três Poderes. Haja fôlego.

Lula não está preso apenas por uma decisão provisória do STF, já que todos os ritos processuais e recursos da segunda instância aparentemente estão esgotados. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que já havia mantido a condenação da primeira instância por três votos a zero, rejeitou os últimos embargos, embargos dos embargos e mais todo leque de artimanhas criadas pelos caríssimos advogados à disposição da "alma mais honesta do país". Falta pouco, mas ainda há muito para acontecer.

A chave da cela está nas mãos de uma corte formada por onze ministros, sendo que três deles foram indicados ao cargo pelo réu. Ricardo Lewandowski, que por uma dessas ironias do destino presidiu a sessão do impeachment da companheira rasgando o artigo 52 da Constituição e a Lei 1.079 para preservar seus direitos políticos; Dias Toffoli, ex-advogado da CUT, do PT e do próprio Lula; e Carmem Lúcia, a presidente do STF. Outros quatro vestem a toga preta mais poderosa do país por indicação de Dilma: Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin e Rosa Weber, que atuou durante toda carreira na ultra-ideologizada Justiça do Trabalho. Caso encerrado? Quero crer que não.

Ao todo, sete dos onze ministros que podem decidir o destino de todos os condenados em instâncias inferiores foram colocados lá por uma dupla com sérios problemas com a justiça e que fazem parte de um projeto de poder cuja essência a Lava Jato não deixa mais dúvida. O julgamento de Lula não deixa de ser um desafio às instituições do país, que passou no teste do impeachment de Dilma mas que agora vive sua provação mais importante. Em breve, vamos descobrir se todos são iguais mas, como disse George Orwell, se alguns são mais iguais do que outros.

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Muito pode acontecer nesta quarta, inclusive nada, mas isso não é desculpa para passividade ou negligência de cada um de nós. Amanhã, dia 3, os brasileiros que querem que as leis sejam aplicadas igualmente para todos, que querem virar a página da impunidade e de um governo nefasto que pilhou os recursos do país por quase quinze anos, uma conta que vamos levar ainda gerações para pagar, vão para as ruas pedir justiça. A convocação é auto-explicativa: "ou você vai ou ele volta". Você escolhe.

Vale lembrar que Rosa Weber era conhecida na época da sua escolha, segundo matérias publicadas na imprensa, por ser amiga pessoal de Dilma Rousseff e por "levar em conta as repercussões sociais das suas decisões", uma ressalva ideológica muito preocupante. Antonin Scalia, juiz da Suprema Corte Americana falecido em 2016, costumava dizer: "um juiz que sempre fica feliz com o resultado das suas sentenças é um mau juiz". Defensores da letra fria da lei como Scalia são cada vez menos populares em cortes de ativistas e militantes como as nossas.

O Brasil vive uma crise profunda nas suas instituições e o mal que os governos petistas causaram ainda levará gerações para ser tratado, mas a hora de começar é agora. Se Lula é condenado mas não é preso, a mensagem passada para o cidadão comum é a pior possível. Quando se soma a tudo isso a maneira como os mais jovens estão sendo doutrinados para entender a crise, temos a própria democracia em cheque. Sem instituições que funcionem, podemos votar em quem quisermos para presidente que não fará qualquer diferença. Ou Lula vai para a cadeia, libertando o país da pecha de republiqueta de bananas, ou teremos mais uma vez a certeza de que a lei não é para todos.

Se Rosa Weber e o STF sucumbirem ao apadrinhamento político, Lula não será o único beneficiado. O que está jogo esta semana não é só a prisão daquele que, por um projeto de poder, atrasou o Brasil e seu potencial como nação séria em décadas, mas também a prisão de outros tantos ladrões, assaltantes, assassinos, estupradores, pedófilos e corruptos que poderão também usar a jurisprudência criada. O efeito cascata pode ser devastador para o Brasil que trabalha, produz, estuda e sabe a diferença entre o certo e o errado, o justo e o injusto, o moral e o imoral.

A mais alta corte do Brasil pode perder esta semana mais uma chance histórica de mudar nossa trajetória de impunidade e clientelismo. Espero que lotemos as ruas amanhã para protestar contra a blindagem à corrupção, causa maior do Estado não ter recursos para resolver nossas eternas mazelas na área da saúde, educação e segurança. Lula embargou o Brasil, cabe a cada um de nós recorrer e lutar por justiça.

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